25. Confissões

1.2K 161 139
                                    

A casa na árvore era completa: fogão, geladeira, guarda-roupas, sofá e cadeiras em volta de uma mesa. Tinha até um telescópio na varanda do fundo. O pequeno e triste detalhe é que era tudo de brinquedo.

A Jaqueline de sete anos achava aquela casa gigantesca, os móveis tinham o tamanho ideal para sua altura. Mas para a Jaqueline de hoje só o que tinha um tamanho normal era a cama de solteiro. A casa já não era gigante, mas também não era nada pequena. Havia espaço suficiente para uma cama de casal e um conjunto de sofás, coisas que eu adoraria ter agora.

Eu me lembrava bem que o armário ao lado da janela de vidro era mais alto que eu, hoje alcançava minha cintura. Ao menos os três pufes coloridos não eram minúsculos, eles seriam úteis.

O gran finale era as peças decorativas: desenhos pendurados em volta do tronco enorme que atravessava o meio da casa. Pelo visto a Jaqueline criança era boa em arte rupestre. Não era feios, os desenhos. Eram medonhos.

A prateleira de bonecas acima da cabeceira da cama estava vazia, bem como a penteadeira perto da porta do fundo. O que havia mesmo ali, em toda parte, era poeira. Eu teria muito trabalho pela frente, mas não achei ruim (mais ou menos), porque isso manteria a minha mente ocupada.

As coisas no interior do armário estavam protegidas e, portanto, limpas. Com o cheiro de guardado, claro, mas era o que tinha. Dentro dele havia lençóis com estampas de cupcakes, uma colcha da Barbie, bonecas de pano e dois travesseiros.

Embaixo da cama encontrei um saco que abrigava o grande e felpudo tapete rosa. Eu adorava aquele tapete.

Quando terminei a limpeza, estava exausta, mas feliz por ter conseguido. Bom, não ficou lá grande coisa. Primeiro porque o vento sempre trazia a sujeira de volta. Segundo porque o kit de limpeza era de brinquedo e a vassoura tinha metade do meu tamanho.

Na disputa entre quem era maior, o cansaço ou a fome, a exaustão venceu e eu me joguei no tapete aos pés da cama (eu não era louca de sujar o lençol limpinho com a minha imundice). Além de que, para conseguir comida, eu teria que ativar o modo selvagem e atacar as frutas das árvores vizinhas.

Dormi mais do que gostaria, o sol já estava se pondo quando acordei, mas me levantei pronta para a ação. Transferi os itens de higiene para a mochila preta, peguei um pote plástico no armário e desci.

Abasteci o pote com as acerolas que encontrei pelo caminho, elas serviram para enganar meu estômago. Fiquei feliz por estar usando botas de salto baixo, isso ajudava na exploração do ambiente.

Fui me esgueirando furtivamente entre as árvores e arbustos, sentindo-me uma verdadeira espiã, até chegar nos estábulos. Meu avô era veterinário, depois que se apostou, passou a cuidar de cavalos feridos. A instalação de um banheiro nos estábulos fora uma exigência da minha avó, que não suportava o cheiro de cavalo que meu avô levava para dentro do banheiro de casa.

Atravessei abaixada para evitar ser vista pelos cavalos. Estavam presos cada um em sua secção, mas poderiam fazer barulho ao virem um estranho. Agradeci por estar escurecendo.

O banheiro era minúsculo e a água do chuveiro parecia estar vindo diretamente do oceano Ártico. A pior parte foi quando desliguei a água e senti o vento frio atravessar a janela aberta no alto da parede. Minha toalha de rosto mal cobria meus ombros. Ao menos a calça jeans e a blusa branca que encontrei na mochila de Ian serviram bem.

De banho tomado e dentes escovados, voltei para a casa na árvore me sentindo decente outra vez. Mas me estranhei de calça jeans, mesmo que fosse da Le Lis Blanc.

À essa altura, já estava bem escuro. Transferi a outra pilha roubada para uma das três luminárias em formato de flor. Meu desejo era acender todas, mas infelizmente não encontrei mais relógios na casa de Ian. Arrastei um pufe para a frente da penteadeira e penteei o cabelo com uma escova rosa choque de boneca.

Em posição de oposiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora