36. Expectativa

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As pessoas costumam dizer que uma boa noite de sono é capaz de desembaralhar os pensamentos conflituosos em nossa mente. Pelo que parece, o cérebro processa as informações durante a noite para, no dia seguinte, apresentar resoluções para as inquietações que adormeceram conosco.

Parece que não funcionou muito comigo, pois pedi ao taxista para parar um pouco distante e assim não denunciar a minha chegada. Tudo isso porque avistei um Mercedes estacionado na frente da casa dos meus avós. Segui a pé o resto do caminho.

Entrei furtivamente pela porta dos fundos e logo ouvi o som de conversa vindo da sala. Ao identificar a voz chorosa da minha mãe, meu estômago congelou. Me escondi atrás da parede da cozinha. Eu definitivamente não estava pronta para encará-los.

— A menina não quer ver vocês ainda, precisam respeitar o espaço dela — disse meu avô em um tom de voz cansado, como se tivesse passado horas argumentando aquilo.

— Mas é a nossa filha, pai! — A voz da minha mãe estava embargada, carregada de sofrimento. — Eu preciso vê-la, eu preciso... — ela soluçou alto. — Eu preciso que ela saiba que eu a amo mais do que tudo nesse mundo.

Meu coração se apertou. Coloquei a mão na altura do peito, sentindo o sufocamento estranho.

— Calma, querida — consolou a minha avó. — Ela só precisa de um pouco mais de tempo. Essa situação é muito dolorosa para ela.

— Claro que é dolorosa! Nós somos uns monstros! Meu Deus, eu não posso acreditar no tipo de coisa que dissemos! — meu pai bradou, também com voz de choro. — Ela é só uma menina. Precisava de mim e eu... Meu Deus. Era para eu ser o herói da história dela, não o vilão.

E lá estava o caroço de abacate em minha garganta. Cobri a boca com a mão, segurando a vontade de chorar.

— Vocês precisam ir embora, meus filhos — disse meu avô, piedosamente. — Quando ela estiver pronta para perdoá-los, ela irá até vocês.

— Pode... pode ao menos... pode dizer a ela que estamos com saudades? — a voz da minha mãe parecia a de alguém que está sendo esganado.

— Por favor, diga para ela que estamos morrendo de saudades. Diga que faremos de tudo para ter o perdão dela — a voz do meu pai era de puro desespero.

— Ela nunca vai nos perdoar, Ricardo! — Minha mãe soluçou alto.

Saí de trás da parede em um impulso. Os olhos deles caíram sobre para mim e no mesmo segundo ficaram de pé. A visão era desorientadora. Meu pai com o cabelo despenteado e olheiras ao redor dos olhos. Minha mãe estava mais magra, também com rodas escuras em volta dos olhos. Eu não sabia o quanto eu mexia com eles.

Por cinco segundos, ambos mantiveram os olhos espantados em mim. Um misto de dor e expectativa estampava seus rostos.

Minha visão ficou turva, por esse motivo não enxerguei o caminho quando meus pés se apressaram na direção dos braços deles.

— Meu amor, minha filha — a voz da minha mãe tremia, misturando-se com o som dos soluços. As mãos dela passando pela minha cabeça em um movimento frenético.

— Oh, minha menina — meu pai me apertava forte, chorando alto.

— Eu perdoo vocês — minha voz saiu trêmula, derrotada pela força do aperto em minha garganta.

As lágrimas molharam o meu rosto sem parar.

°*°*°

Eu não me lembrava que rolar em minha cama era tão bom. Nem que era maravilhoso deslizar pelo closet. Muito menos que era esplendido me deitar em minha banheira.

Em posição de oposiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora