18. Fugitivos

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Tudo era diferente visto de cima. A consciência de amplitude, a quantidade de pessoas. Dava para ver até os casais se pegando nos cantos escuros.

Do meio para trás as pessoas estavam dispersas e completamente alheias ao que acontecia no palco. Entretanto, do meio para frente, havia muita gente prestando atenção. Atenção em mim, parada no meio do palco.

— Não tem nada para olhar aqui. Por que não vão cuidar de suas vidas medíocres? — isso foi o que eu tive vontade de dizer.

— Vamos cantar a música Yellow, da banda Coldplay — foi o que eu realmente disse.

Os meninos da nossa mesa gritaram "hu-ru" com o que parecia ser toda a capacidade de seus pulmões.

Que morressem.

Ao meu lado, Ian estava sentado em um banco alto, a curva do violão apoiada em sua perna direita. O microfone posicionado na frente dele não seria utilizado, disso eu já sabia, mas a imagem estava completa daquele jeito. Tudo o que eu precisava nessa vida era ter em minha cabeça a imagem de Ian parecendo um astro da música.

Ao escutar os acordes iniciais, agarrei o microfone no pedestal como se fosse meu melhor amigo/inimigo.

Entrei atrasada na música. Cantei as primeiras frases sem olhar para o público, mas sabia que estava patética encarando o microfone, então arrisquei uma olhada.

Péssima ideia. Um golpe de nervosismo acertou meu estômago e me fez vacilar. Errei a letra. Ian estava enganado, as pessoas perceberiam que errei. Elas iam vaiar e eu ia mostrar o dedo do meio.

Que morressem todos.

Estava piorando. Tropecei em um monte de palavras. No impulso, busquei pelo olhar de Ian. Estava de olhos fechados, tocando com tanta naturalidade como se tivesse feito aquilo a sua vida inteira. Ele era bom. Confesso que fiquei impressionada com a maestria a qual ele tocava, parecia que conhecia bem os acordes da música e não que tinha acabado de aprender.

Foi quando fiquei uma frase inteira sem cantar que Ian abriu os olhos e me encarou. Dizem que a música tem mistérios que nossa mente não é capaz de compreender, só sentir. Isso explica o que aconteceu em seguida: as pessoas em volta se tornaram irrelevantes.

Só havia Ian, eu e a minha voz. Pronunciar a palavra 'yellow' vendo a imagem dele em uma camisa dessa cor, fazia sentido de um jeito estranho.

Me concentrei no som que saía da minha garganta, no som das cordas e então funcionou. Ficou mais fácil cantar olhando para Ian, porque agora havia um elo entre nós dois: a vergonha daquela apresentação tosca, não ensaiada e com palavras inventadas, jamais sairia de nossas memórias.

Os idiotas da nossa mesa começaram a gritar e, no impulso, eu olhei. A distração me fez quebrar a sequência em minha mente e esquecer como começava o refrão. Fiquei com raiva deles, queria xingá-los no microfone. O violão entrou no refrão sem mim. Olhei para Ian pedindo socorro.

E ele me socorreu cantando.

Pausa para uma reflexão interessante: se a voz de uma pessoa é estupidamente sexy falando, quão mais sexy poderia ser cantando?

Eu voltei sim a cantar no segundo verso do refrão, mas o foco aqui estava em como a voz de Ian era limpa, tal qual as notas de um instrumento solo. Se agravando no final das frases, a voz dele fazia uma estranha sintonia com a minha. O idiota disse que cantava mal!

Em posição de oposiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora