06. Déjà-vu

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O professor de história, em quem depositei todas as esperanças de que acabaria a aula mais cedo, liberou pontualmente às 16:30. Como eu não tinha forças para odiá-lo naquele momento, decidi guardar o ódio para a próxima. Ele que me aguardasse.

Se eu fosse até a cantina, me atrasaria para o castigo. Sem contar que perdi cerca de três minutos no banheiro, me escondendo de Débora e Laura. Eu não conseguiria lidar com o interrogatório delas agora.

Cheguei na detenção faltando um minuto para me atrasar e piorar ainda mais o minha situação.

— Jaqueline! — A diretora disse o meu nome como se eu acabasse de chegar na festa a qual ela era anfitriã e eu a convidada especial.

Todos os outros convidados me encararam. Pareciam com raiva de mim. Não entendi, mas se eu tivesse energia para esboçar qualquer reação, mostraria o dedo do meio para eles.

Continuaram encarando até quando me sentei.

— Se não pararem de olhar vão levar tanta porrada que vão esquecer seus nomes — ameacei, encarando de volta.

A diretora caminhou até sua mesa e parou de frente para nós.

— Meus queridos, como temos apenas duas situações aqui, não há necessidade de todos se levantarem — o rosto dela estava radiante de satisfação. — Vamos começar por vocês dois. Quero que apenas um fale — e apontou para Ian.

Para uma pessoa se divertir tanto com o desgosto de estudantes de ensino médio, sua vida devia ser um verdadeiro fracasso, tediosa e sem nada de empolgante.

Ian se levantou.

— Eu e Jaqueline prometemos nunca mais enganar a diretora e nunca mais fugir da escola — direto e rápido.

— Sente-se — ela assentiu com a cabeça, claramente apreciando a humilhação. — Agora manifeste-se um dos demais.

Imediatamente um garoto se levantou. Reconheci o corpo espichado e desengonçado. Era o varapau. Ele me deu uma atravessada de olhos antes de começar. Inclinei a cabeça para o lado, olhando-o de cima para baixo. Esse vara de arrancar mamão.

— Prometemos nunca mais deixar alguém fugir do castigo na ausência da diretora. — Agora tudo fazia sentido, eles estavam de castigo por minha causa.

Fiquei feliz pelo ritual vergonhoso ter acabado tão rápido. Mas os minutos seguintes simplesmente não passavam. À medida em que o relógio se arrastava, o vazio em meu interior ia me sugando para o abismo.

Quando meu celular vibrou, supus que seria notificação de bateria fraca, já que não consegui carregá-la o suficiente, e ninguém além de Laura e Deby tinha esse número.

Mesmo assim, o peguei. O número não estava salvo, mas uma sútil familiaridade com os últimos dígitos me fez ter uma ideia de quem seria.

Abri a mensagem:

"Vamos fugir. Deste lugar, baby"

"Não"

"É uma música"

Eu conhecia a música e também entendi o trocadilho.

"Sei disso. Conheço Skank"

"Essa vai ser a nossa música. Não acha que combina?"

"Deixa eu adivinhar. Pediu meu número pra Laura de novo"

"Acertou"

Exatamente como da outra vez, recebi uma mensagem surtada dela:

"ELE ME PEDIU SEU NÚMERO RESERVA. O QUE VC ANDA APRONTANDO, JAQUELINE????!"

Ian não fazia ideia do buraco em que estava me enterrando ao fazer isso.

Mandei para ele:

"Pra que queria meu número dessa vez?"

"Eu estava aqui sem fazer nada e por acaso pensei: por que não bater um papo com a patricinha mais bem-humorada dessa sala? Então agora que estamos nos falando, toda a minha vida faz sentido"

Essa história de patricinha já deu. Eu ia responder à altura. Quando comecei a digitar, porém, senti uma coisa estranha que me fez ver tudo escuro. Ao me recuperar, meus dedos estavam ligeiramente trêmulos.

"Não sou patricinha e não sou daquela forma que vc me descreveu. Vc não me conhece, então não pode falar do que não sabe"

Eu poderia fazer melhor que isso, mas o tremor nas mãos não ajudava.

"Já ouviu falar que o exterior reflete o interior?"

Ele estava me julgando pela forma como eu aparento? Sério? Afinal, como eu aparento para ele?

Olhei para mim mesma. A minissaia xadrez era Armani, talvez a única peça não simples, mas a blusa branca gola alta era completamente básica e por isso eu tinha o direito de usar o cardigã Versace rosa claro, meu favorito. As botas brancas Balenciaga eram simples. Ah, droga, tinha o cinto Gucci.

Pensando bem... não era um look tão simples assim. Mas o que importava? Isso não dizia nada sobre mim.

Meus dedos pararam no meio de uma frase, pois uma vertigem forte suprimiu a minha visão. Por um momento tive a impressão que ia cair da cadeira.

O celular vibrou em minhas mãos e eu abri os olhos.

"Sua cara tá horrível. Isso tudo é por causa do castigo? Ficar sem cartão de crédito não é o fim do mundo"

"Acho q n to bem n comi nda hj"

Foi a última coisa que tive forças para responder.

O instinto de pedir socorro me fez levantar para ir até a mesa da diretora. Assim que dei o primeiro passo, vi que o caminho era longo demais.

— Senhora Rosildine — minha voz saiu fraca, quase um sussurro, e isso mais parecia um déjà-vu.

Dei mais um passo cambaleante e coloquei a mão na testa. A vertigem me golpeou em cheio, me desequilibrei.

— Ah, ela acha que somos idiotas — era a voz da ruiva idiota que implicou comigo ontem.

— O que está fazendo, Jaqueline? Volte para o seu lugar — ordenou a diretora.

— Eu não...

Minhas pernas cederam ao peso do meu corpo, largando-me no chão com um baque choco.

— Inacreditável!

— Para com isso, sua idiota! Não vamos cair nessa outra vez!

— Levante-se, Jaqueline!

Com a sensação de ter mergulhado a cabeça em uma banheira cheia de água, os sons externos ficaram abafados. Meu coração mudou-se para os ouvidos, martelando os tímpanos com batidas violentas.

Então eu afundei no abismo e tudo desapareceu.

Em posição de oposiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora