Capítulo Trinta e Sete

17 5 0
                                    

April

- Rachel? - Perguntei depois de entrar no quarto e vê-la sozinha em um canto.

Eu não tinha nem ideia do que ela estava sentindo agora, mas com certeza não era um sentimento bom.
Afinal, ela havia matado alguém. Não um dançante, mas uma pessoa de verdade.

Aquilo devia ser horrível.

- Hum? - Ela respondeu depois de um tempo, num fio de voz.

- Você está bem? - Perguntei sentando perto dela.

Rachel levantou a cabeça e apontou para sua camiseta que continha um pouco de sangue, provavelmente do 'carinha' que morreu.

- O sangue dele veio comigo. - Ela falou com um olhar vago, quase perdido.

- Ele esfaqueou o Ben e tentou te matar, mereceu aquilo. - Lembrei-a e uma lágrima escorreu dos olhos dela.

- Eu só... não sei se aguento tudo isso.

- Tudo bem Rachel, você não precisa ser forte o tempo todo.

Ela concordou com a cabeça e voltou a se encolher, sem expressão, enquanto afastava algumas mechas de seu rosto.

- Você não está sozinha. Estamos aqui para superar toda essa merda juntos. - Dei um leve sorriso e a envolvi em um abraço que eu esperava que estivesse sendo acolhedor.

Rachel retribuiu e depois decidiu dormir um pouco sozinha.

A ajudei a deitar e saí em direção a cozinha para comer algo. Mesmo que tivéssemos horários e toda a comida fosse racionada, às vezes eu conseguia contrabandear alguns doces com Ki, e Henry e eu comíamos escondidos no que agora era nossa salinha secreta.

- Veio atrás dos doces de novo, não é? - Ki perguntou rindo quando me aproximei com um grande sorriso no rosto. Típico de quem quer alguma coisa.

- Claro que não! Só vim dizer como você fica maravilhoso com essa camisa. - Brinquei e ri um pouco.

Por Henry ser amigo de Ki, agora passávamos um bom tempo juntos e ele já era alguém especial para mim. Afinal, como não gostar daquele garoto?

- Você sempre consegue me convencer... - Ki deu uma risadinha fofa e me entregou um pacote de jujubas, meu doce favorito.

O abracei rapidamente e dei beijinhos em sua mão.

- Eu já disse que te amo, meu lorde? - Perguntei fazendo uma reverência e Ki apenas riu mais.

- Todos os dias. - Ele fez cara de convencido e apontou para a porta.

***

- O que você ainda está fazendo aqui? - Dylan perguntou com cara de espanto sentando ao lado da pequena poltrona que eu ocupava na honesta biblioteca do hospital. O único lugar onde eu poderia comer minhas jujubas em paz.

- Tínhamos alguma atividade para hoje? - Perguntei confusa.

Dylan revirou os olhos e mexeu nos cabelos.

- A festa de natal é amanhã - Ele anunciou roubando o saco de jujubas das minhas mãos. - , e precisamos ter roupas legais.

Fiz careta.

- Eu estava pensando em usar aquele jeans e camis...

- Nem pense nisso! - Dylan interrompeu-me rapidamente e se levantou puxando-me consigo.

Ri um pouco e peguei o livro que lia. Às vezes Dylan conseguia ser mais exagerado que eu.

- É só uma festa boba. E além disso, nem temos motivos para comemorar. - Falei com desdém recuperando o pacote de jujubas e comendo-as.

Dylan me encarou seriamente por um tempo, e acabei por me perguntar se tinha falado alguma besteira. Afinal, o mundo estava um caos e tudo além de nós não passava de poeira.

Nada mais importava.

- Eu sempre achei incrível a forma como você conseguia ver o lado bom de todas as coisas, mesmo quando o bom não era tão legal assim. - Dylan pegou minha mão e a segurou firme. - Você acha que não temos motivo para comemorar? Apenas olhe para as nossas vidas.

Dylan respirou fundo e continuou:

- Todos perderam tudo. Alguns até mais do que tinham e mesmo assim estão felizes. Não por causa de uma festa boba, mas porque estão vivos. Porque eles sabem que mesmo com todo o caos ainda podem fazer as coisas de forma diferente. - Ele se aproximou e envolveu-me em um abraço apertado. - O amor resolve qualquer apocalipse.

- Eu sei, me desculpe. - Falei com sinceridade, ainda totalmente envolta naquele abraço.

A verdade era que mesmo com toda a esperança e amor, às vezes era como se uma parte de mim tivesse sido levada em toda essa confusão.
Eu não era a mesma e sabia disso, mas simplesmente não conseguia pensar em como tudo acabou tão de repente, mudando os rumos das nossas vidas para sempre.

Eu sentia saudades da minha vida antiga. Do tédio e das provas de química que sempre pareciam impossíveis, do meu pequeno fusca azul e do meu pai, que mesmo tão distante ainda estava sempre ali, pronto para ouvir meus desabafos e me dar bons conselhos.

Eu estava cansada de parecer forte durante todo esse tempo, e naquele abraço tão familiar do garoto que cresceu comigo, simplesmente não consegui segurar as lágrimas que escorreram sem parar por longos minutos.

- Eu sei que está sendo difícil, mas apenas pense no amor que a cerca. É um bom propósito para a vida.

Nos soltamos depois de um tempo e sentei novamente naquela poltrona que parecia me engolir.

Reforcei na mente cada palavra que Dylan havia dito e notei o quanto ele estava certo. Eu tinha perdido tudo, mas eu ainda tinha amor. Tinha uma vida, amigos e até uma pessoa por quem meu coração batia mais forte.

Realmente, o amor é um bom propósito para a vida.

Delayed's Onde histórias criam vida. Descubra agora