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Matilde Rodrigues

O André parecia chateado.

Não tirava os olhos da estrada, ouvia os seus suspiros constantemente.

Se fosse outra pessoa, não tinha a mesma reação. Porém, sabia que parte da culpa era minha, devido a ter passado a estrada à confiança.

- Passa-se alguma coisa?

- Tirando o facto de te atravessares à frente do meu carro, tudo ótimo. - Não esperava que fosse tão bruto.

- Claro, porque pela travagem que ouvi, não ias devagar de certeza.

Revirou os olhos.

- Não deves ter olhos na cara.

- Desculpa?

- Deve ser por isso que pareces o maior boneco em campo. - Atirei, recebendo o olhar mais incrédulo.

O André fez uma travagem brusca, que me fez bater com a perna na porta. Não deixei de gritar com a dor, encarando o rapaz ao meu lado.

Senti lágrimas nos meus olhos, parecia que me espetavam agulhas na perna de uma forma repetida.

Agarrei-me à mesma, deixando que as lágrimas deslizassem.

- Foda-se!

Voltou a fazer-se à estrada, ainda mais acelerado que antes. Percebi que estava a caminho do hospital de Almada e que se arrependeu da travagem.

O que raio lhe ia na cabeça? Não tinha uma imagem negativa do André, muito pelo contrário.

Achava-o um dos mais animados.

- Desculpa, não te queria magoar. - Ele murmurou, desligando o motor.

Encolhi os ombros, tentando sair do carro com o meu orgulho. Tentei, mas a tentativa foi falhada. Reclamou comigo por não ter esperando, saindo carro e contornando-o.

Toda a situação era estranha, nunca me imaginei passar por algo assim. Graças ao quase atropelamento... Conheci três jogadores do meu clube.

Não foram as melhores circunstâncias, dai sentir-me tão estranha. Encarava o André ao pormenor.

- Podes ir para casa, obrigada.

Uma enfermeira aproximou-se de nós, procurando saber o que se passava. Ele olhou para mim, pedindo uma cadeira de rodas para mim.

Antes de começar a contar, decidi falar por cima dele e mentir.

- Estava a pintar uma parede.

Ambos me encararam.

- Desequilibrei-me e cai do móvel onde estava apoiada. - Terminei de inventar, sem entrar em pormenores.

- Vou pedir à minha colega que lhe faça a ficha. - Assenti. - Você é o namorado?

Balançou a cabeça negando.

- Os meus pais vêm a caminho.

Voltei a mentir, até a enfermeira nos indicar a sala de espera. Reparei que o André tencionava esperar.

- A sério, não precisas de ficar. - Olhei novamente para ele.

- Estás aqui por minha causa.

- Então, a culpa não era minha? Temos progressos Hortinha. - Brinquei, vendo o rapaz revirar os olhos. - Deixo-te ficar com uma condição!

- Não é que queira ficar... Mas vá, qual é a condição? - Arqueou a sobrancelha, sentando-se na cadeira.

- Quero saber o que se passa.

- Sem querer ser mal educado, mas não te conheço de lado nenhum.

- Sou a miúda que atropelaste e tu és o André Horta, olá. - Falei num tom mais sarcástico que sério.

- E és apanhada pelo Ederson.

- Também, sim! Sou uma adepta, conta para alguma coisa?

- Se és adepta sabes a merda que tenho feito nos jogos desde a lesão. Até nos treinos faço merda.

Levantou-se exaltado.

- Espero que fiques melhor e mais uma vez, desculpa miúda.

E com isto, virou as costas e saiu da sala de espera. Fiquei a matutar no que havia dito, até uma segunda enfermeira entrar na sala de espera.

Lembrei-me que não tinha avisado os meus pais. Optei por ligar ao meu pai, o trabalho já devia ter acabado.

Expliquei-lhe por alto o que aconteceu, respondendo também á enfermeira que me levou para dentro. Basicamente iria fazer apenas uma radiografia. Dei mais pormenores á mentira.

Porém, voltei a pensar nas palavras do Horta. Parecia tão desmotivado.

TRUST  ➛  ANDRÉ HORTAOnde histórias criam vida. Descubra agora