Capítulo 6

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Deixo o prédio da gravadora rapidamente e me sinto tonto. Minha carreira definitivamente está em decadência, e não posso consertá-la como imaginei.

Atravesso a porta giratória e o sol bate no meu rosto. É dia e está quente, mas eu não sinto que deveria estar do lado de fora. Tenho vontade de me isolar pelos próximos meses. Não quero ter que aguentar a pressão. Sei que as pessoas vão apontar na minha direção e comentar se estou indo bem ou não. Sei o que elas vão pensar quando me olharem e não quero ter de ouvir as mesmas perguntas que tenho escutado nos últimos anos, questões para as quais não tenho respostas. Elas querem saber o motivo de eu andar sumido, de não lançar nada e pedem novidades, mas não tenho nenhuma. Eu quero a solidão do meu apartamento, o conforto da minha cama, o silêncio que apenas as minhas paredes proporcionam. Amo ficar sozinho. Não há nada que eu aprecie mais. Não quero ver gente. Não quero conversar. Quero um cão, no máximo. Cachorros são melhores que pessoas; mais sinceros, mais fiéis, mais quietos. Prefiro um mundo onde não tenha que lidar com todo mundo à minha volta, gente que apenas toca para frente a sua vida medíocre. Se um mundo assim pudesse existir, seria perfeito, porém sei que é impossível e que eu terei que lidar com a futilidade enquanto permanecer vivo.

Olho para os lados e penso por um instante. Então, faço o que qualquer homem faria no meu lugar: procuro um bar escuro, afastado, e entro.

É começo da tarde, e as pessoas ainda não começaram a sair do trabalho, de modo que os poucos clientes são vagabundos tão perdidos quanto eu. Pessoas com problemas suficientes para tentar um escape através da bebida no meio da tarde. Puxa, aquilo faz com que eu me identifique com elas.

Me sento em uma cadeira na frente do balcão principal e logo um garçom aparece para perguntar o que desejo. Caramba, poucas pessoas me fazem me sentir tão à vontade quanto um garçom. Eles apenas perguntam o que a gente deseja beber. Não julgam, não reclamam, não questionam porque você está bebendo no meio da tarde; pelo contrário, ficam felizes por isso, porque podem ganhar uma gorjeta. Eles estão pouco se lixando para os seus hábitos e, se quiser, ainda podem te dar conselhos. Eu adoro como a coisa toda funciona.

Às vezes, eu paro e penso: é tão fácil lidar com homens. Eles entendem as coisas facilmente e não retrucam, enquanto com mulheres, tudo é motivo para perguntas, tudo é muito complicado. Se eu não fosse mesmo viciado em boceta, eu provavelmente seria viado.

Penso em pedir uma cerveja, mas meu organismo se adaptou muito bem a ela e quero ficar bêbado logo, assim não preciso mais pensar nas coisas em que estou pensando. Peço um uísque. Não é algo estranho para o meu corpo, mas cinco ou seis dozes de barriga vazia, e eu começo a esquecer meu nome. Ele me alcança uma e eu tomo rapidamente. Peço outra. Ele serve de novo. O ritual se repete algumas vezes, até que o sino da porta toca e alguém entra no bar.

É um cara, e, por um momento, eu não dou importância àquela figura e tento me concentrar em meus próprios problemas. Mas meus olhos passam novamente por seu rosto e ele me parece familiar. Não consigo entender a razão, mas faço um esforço, e, apesar da minha memória apagada nos últimos anos por tudo o que tenho consumido, a lembrança vem até mim. Tenho aquela sensação esquisita que a gente sente quando encontra alguém que não vê há muito tempo, alguém que foi muito íntimo tempos atrás, mas que a vida levou por caminhos diferentes, ninguém fez esforço para que as coisas corressem de outra maneira e agora esse alguém se tornou um estranho novamente.

Ele se senta de frente para o balcão do bar, pede algo e movimenta os olhos para conferir o ambiente. Eles se cruzam com os meus. O homem me acena com a cabeça e eu retribuo da mesma forma. Não é preciso muito para notar que ambos estamos na mesma posição. Disfarçadamente, eu tento observar os detalhes do seu rosto a fim de recordar as memórias, mas é difícil. Ele está tão solitário quanto eu e busca companhia.

— Quanto tempo — eu digo, como quem não quer nada.

Ele sorri.

— Muito.

Penso no que dizer, mas o uísque é forte e não demora a fazer efeito.

— Por onde andou?

Ele dá de ombros.

— Ah, você sabe. Por aí, fazendo uma coisa ou outra.

Estranho. Ele dá exatamente o mesmo tipo de resposta que dou quando alguém me faz essa pergunta. Eu também não gosto dela e procuro fugir dos detalhes, sempre, sem exceção.

— Você anda sumido — ele afirma.

Eu suspiro. A pergunta inevitável, aquela da qual não consigo escapar. Tento parecer despreocupado e penso na resposta, porque ele certamente espera por uma.

— Ora, eu estou sempre recebendo pedidos para entrevistas, mas estou tentando me concentrar no novo disco — não consigo evitar um incômodo durante a mentira, embora possa disfarçar bem.

Ele não parece satisfeito. Posso ver um sorriso irônico escapar, embora não dure mais do que um segundo.

— Bem, não ouço nada seu há tempos. Seria interessante algumas canções novas. Alguma previsão?

Eu me reacomodo na cadeira a fim de ganhar tempo.

— Não, ainda não. Sabe como são essas coisas, a gravadora sempre tem uma grade de discos para lançar, e estamos meio perto do Natal.

— Ainda com a Spring?

Faço que sim com a cabeça, um movimento quase imperceptível.

— Que bom, Alex. Estou ansioso por ouvir.

Eu finalmente me lembro. Seu nome é Hugo, meu ex-roadie. Ele acompanhou de perto meus anos de glória com a banda, quando viajamos o país em uma turnê sem fim, com cerca de vinte e cinco shows por mês, enquanto estávamos no auge. Era um dos caras responsáveis por organizar o palco, verificar os equipamentos, cabos, instrumentos e qualquer coisa parecida que fosse necessária para a apresentação. Em outras palavras, ele deixava a coisa toda pronta para que pudéssemos nos apresentar. No duro, era um bocado de trabalho e tudo o mais, mas Hugo dava conta, era um dos melhores. Tento me lembrar da razão de Hugo ter deixado de trabalhar para a gente; provavelmente o fim da banda, porque não havia motivos para despedi-lo.

— O que tem feito da vida? — pergunto.

— Ah, você sabe... tenho trabalhado, nada de mais.

— No quê?

— Faço instalações em uma loja de alarmes.

Meus ombros rapidamente ganham peso. É impossível não me sentir culpado por aquilo. Hugo tinha uma verdadeira paixão pela música, que ele sonhava em colocar em prática produzindo bandas de rock. Eu sabia que Hugo havia entrado no ramo do show business porque sonhava em se tornar um produtor, algo raro entre tantos roadies que começavam a carreira apenas para tentar entrar em alguma banda. Ele não desejava se tornar uma estrela e mergulhar na fama, mas ser a cabeça por trás dos grandes nomes. Eu podia sentir, naquela época, que o entusiasmo de Hugo era real e sincero. Ele tinha bom gosto e queria oferecê-lo ao mundo – e eu sabia que havia ajudado a terminar com aquela oportunidade quando levei nosso grupo ao fracasso.

Do Jeito que o Diabo GostaOnde histórias criam vida. Descubra agora