Cansado do show, acordo tarde na manhã seguinte. Abro a janela, mas tudo o que vejo são prédios. Ligo para o quarto de Ezra.
— A que horas é o café da manhã?
— Café da manhã? Já terminou de ser servido faz tempo, garoto. É hora do almoço.
— Onde vamos comer?
— Posso pedir ao motorista que nos leve a um restaurante aqui perto.
Decidimos comer em um restaurante chinês, e levamos parte da equipe e da banda junto. Como de costume, Ezra e eu nos sentamos sozinhos, a fim de aproveitar o tempo e discutir estratégias para a carreira.
— De onde vem o carro? — pergunto a ele.
— É alugado.
— Estou pensando em comprar um.
— Podemos tratar disso.
Ezra e eu saímos para procurar por um logo depois do almoço. Assim que entro na concessionária, sou reconhecido. É o suficiente para o vendedor querer me aporrinhar com o puxa-saquismo típico que as celebridades recebem, pelo menos as que estão no auge da carreira e têm dinheiro para gastar com coisas como carros importados sem pedir desconto.
Ele me leva para a sessão com os carros mais caros – uma área exclusiva –, e começa a discursar sem parar sobre as qualidades de cada modelo. Minha paciência para esse tipo de situação é curta, e não quero ouvir toda essa ladainha. Eu o interrompo e vou direto ao assunto.
— Tem na cor branca?
— No momento, não — diz ele, parecendo infeliz. — Apenas em preto e azul, na loja. Mas podemos encomendar e mandar entregar no Rio, se quiser.
Fecho a compra em poucos minutos. Não negocio, porque agora sou famoso outra vez, e alguém famoso que se preze não negocia nada, e compra tudo à vista. O vendedor pede que eu assine um contrato, e depois aperta minha mão com um sorriso largo. Ele vendeu o carro mais caro da marca em pouco mais de uma hora de atendimento, e a comissão será gorda. Certamente é um excelente dia para ele.
— Mal posso esperar para estrear meu brinquedo novo — digo a Ezra enquanto voltamos de ponte aérea para o Rio.
— Posso imaginar. A gente se sente como uma criança esperando para abrir os presentes de Natal, não?
— Exato.
— Agora, entretanto, é melhor você se concentrar no próximo show. Temos apenas dois dias para ensaiar.
— Por quê? A setlist será a mesma.
— Talvez seja melhor mudar algo. Não é bom fazer os shows sempre iguais. O público lê as críticas, e acaba sabendo exatamente o que esperar. Surpresas sempre são bem-vindas.
— Talvez eu tire alguma música e coloque outras, quem sabe troco os covers. Mas não precisamos ensaiá-los todos.
— Seria o ideal, Alex.
Pergunto-me como Ezra pode entender mais de shows do que eu mesmo, mas decido não discutir. Ele quer dar o seu melhor, e eu entendo isso. De qualquer maneira, o voo deve durar no máximo uma hora, então desço a poltrona da primeira classe até que fique quase na horizontal e tento aproveitar o tempo para descansar um pouco.
Quando chegamos ao Rio de Janeiro, tento ir do aeroporto Santos Dumont direto para o meu apartamento, mas isso é impossível. Os fãs imaginaram que eu voltaria de São Paulo em uma ponte aérea no dia seguinte. Provavelmente conseguiram uma informação confidencial com alguém da equipe ou com algum jornalista. Assim que apareço no salão de desembarque, encontro a multidão me chamando, enquanto estende cartazes com imagens minhas e mensagens diversas. Tento correr para passar sem ser incomodado, mas eles são rápidos, e estão preparados.
— Por aqui, Alex — diz Ezra, me indicando um caminho menos movimentado em direção à saída.
Coloco meus óculos escuros e caminhamos rapidamente pelo saguão, mas os fãs nos seguem.
— Alex! Por favor, uma foto! — alguém grita.
— Alex! Eu esperei o dia inteiro! — diz outro.
— Merda. Eu deveria ter previsto isso — lamenta Ezra.
Andamos mais depressa, quase correndo pelo aeroporto. A confusão começa a chamar a atenção das pessoas ao redor, e noto que vários passageiros curiosos param para descobrir o que está acontecendo. Muitos me reconhecem, e começam a filmar com seus celulares. Aquela cena patética acabaria facilmente na internet.
— Rápido, Alex — Ezra me apressa.
Avistamos o balcão de uma empresa de táxi e seguimos naquela direção. Ezra parece convencido de que vamos conseguir embarcar no carro antes que os fãs nos alcancem. Um garoto passa correndo entre os adultos, agarra minha camiseta e me puxa. Eu quase caio ao trombar com ele.
— Calma, rapaz!
— Por favor, Alex! Só uma selfie!
— Desculpe, eu estou atrasado, tenho um compromisso, e...
— Alex, eu tenho todos os seus discos! Todos mesmo. Todos os que você lançou. Todos.
— Eu posso entender o significado da palavra "todos" sem que você a repita tantas vezes.
Ele me olha confuso.
Com o contratempo, o resto da multidão me alcança e me cerca como um bando de urubus à volta de um pedaço de carne no deserto. Mas que droga! Estou cansado, e só quero voltar para casa, mas parece que é pedir demais, hoje em dia. Se ao menos eu pudesse beber um uísque enquanto os atendo, seria mais fácil.
— Alex, você pode assinar meu sutiã?
Olho na direção da voz. É uma mulher na casa dos trinta anos, gorda e com uma maquiagem tão bizarra que lembra um palhaço abandonado pelo circo no meio da viagem. Terei de tocar no peito dela? Eu não sou obrigado a me sujeitar a esse tipo de situação.
— Alex — Ezra sussurra ao meu ouvido, e me indica alguém do outro lado do salão.
Um rapaz bate fotos à distância. É o típico paparazzi que circula pelo Rio de Janeiro com a intenção de pegar uma celebridade em uma situação inusitada para depois vender a foto. Malditas criaturas do inferno! Deus sabe como eu odeio os paparazzi e quem inventou essa profissão desgraçada, que vive de arrancar pedaços da fama alheia e transformar em ouro.
— Agora você vai ter de atendê-los, Alex — Ezra diz. — Vai pegar mal se registrarem você ignorando fãs.
— Não precisamos de um paparazzi para isso. Temos uma dúzia de celulares apontados na nossa direção.
— Ele é da imprensa, o que é pior.
— Ezra, acho que alguém precisa apresentar a internet a você. Ela é mais cruel do que qualquer revista.
Sem alternativas, me viro para a multidão impaciente e começo a atender aos pedidos de cada fã, um a um. Minhas costas doem, e meus pés pedem descanso, mas eu continuo. Encaro fotos, autógrafos, beijos para a mãe e sutiãs a ponto de estourar. Respiro fundo e tento enfrentá-los com um sorriso no rosto.

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Do Jeito que o Diabo Gosta
HumorLIVRO INTEIRO JÁ DISPONÍVEL PARA LEITURA GRATUITA AQUI NO WATTPAD✌🏻 Alex Britto é uma subcelebridade decadente. Depois de vencer um reality show musical com sua banda de rock e se tornar famoso da noite para o dia, seu sucesso desapareceu na mesma...