Passo a manhã inteira dentro de casa. Não consigo dormir.
Acordo por voltas das sete horas e ando pelos aposentos. Pela cortina, espio lá fora e vejo movimentação. Os paparazzi e os jornalistas são incansáveis parasitas, que sugam o sangue de quem está sangrando. Eles montam o circo e esperam que o público compre o ingresso. Você é a fera enjaulada que eles alimentam, tratam e dão banho quando bem entendem. Depois eles soltam na arena e dominam com um chicote. Não comigo, não mais. Agora eu sei como o jogo funciona, e posso até largar a carreira musical e trabalhar como ghost-writer, escrevendo metáforas incríveis como essas.
Fico a manhã inteira vigiando aqueles cretinos, analisando seus passos. Eles se revezam em frente à minha casa, saem e voltam em grupos, esperam o momento certo. Quando chega o meio dia, horário em que há menos gente lá fora, ligo para Ezra e peço que ele mande um motorista particular vir me pegar. Estou começando a ficar louco, e preciso sair.
Eles sabem que algo vai acontecer assim que o carro chega e o portão é aberto. Não tem jeito; eles não são bobos. Tentam entrar a qualquer custo, e o chofer quase precisa atropelá-los. Coloco uma toalha na cabeça para me esconder, e entro no automóvel.
— Para onde? — o motorista pergunta.
— Para qualquer lugar. Apenas me tire daqui.
Ele dá partida.
A verdade é que não tenho ideia de um lugar para onde ir, apenas desejo deixar minha casa. "Blessed Whiskey" começa a tocar no rádio. Ouço minha própria voz atravessar o carro, e aquilo sempre me soa estranho, como se não fosse eu. A música soa diferente toda vez que a escuto. Ouço a composição e penso sobre o momento em que a escrevi, sobre o que se passava na minha cabeça. Já quase não me lembro. Parece um passado distante, de anos atrás. O que aconteceu? Blessed Whiskey não era uma criação minha, não tinha composições minhas, ainda que eu tivesse escrito todas elas.
A música termina com um corte estúpido.
"É isso aí, ouvintes! 'Blessed Whiskey', essa música que anda fazendo o maior sucesso... E Alex Britto, o Sr. Polêmica, atacou de novo. Ficaram sabendo da última? Depois do surto do cantor ontem, na sacada da sua casa, de onde, dizem os jornalistas presentes, Alex teria jogado um bebê, agora os religiosos andam revoltados. Na manhã de hoje, eles se concentraram na Praça Sáenz Peña, na Tijuca, para queimar o último disco do roqueiro em forma de protesto. Destruição em praça pública, literalmente! Se a revolta vai funcionar, ninguém sabe. O que se sabe é que essas unidades foram compradas em alguma loja, e ajudaram a tornar o álbum o mais vendido do ano, recorde que ele quebrou semanas atrás. Será que Alex Britto está preocupado com isso? Eu, pessoalmente, acredito que não. Os direitos autorais das cópias queimadas vão para o seu bolso, e, enquanto isso, ele segue tranquilamente em casa, uma mansão avaliada em quinze milhões na Barra da Tijuca. Um tanto longe dos protestos, não? Para que se preocupar com os detratores quando o dinheiro cai direto na sua conta?"
Mas que droga! Queimar discos já era passar dos limites. Mas o locutor tinha razão. Ao menos eles estavam comprando os álbuns.
— Quer que eu mude de estação, senhor? — pergunta o motorista.
— Não importa.
Ele parece confuso.
— Decidiu para onde via ou devo apenas seguir pela avenida?
— Pela avenida, sem pressa.
Tiro o celular do bolso e abro uma página de busca. Digito meu nome e as notícias não demoram a aparecer.
"Religiosos queimam discos de Alex Britto em protesto"
Uma das matérias contém um vídeo. Aperto no play. Um repórter de terno e gravata está na praça do protesto, cobrindo o ocorrido.
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Do Jeito que o Diabo Gosta
HumorLIVRO INTEIRO JÁ DISPONÍVEL PARA LEITURA GRATUITA AQUI NO WATTPAD✌🏻 Alex Britto é uma subcelebridade decadente. Depois de vencer um reality show musical com sua banda de rock e se tornar famoso da noite para o dia, seu sucesso desapareceu na mesma...