Não importa o quão famoso seja seu diretor criativo, ele não vai conseguir ser muito criativo se for dirigir um clipe de rock.
Eu faço uma pesquisa antes de gravar. Assisto clipes de bandas famosas e conceituais desde a década de sessenta até os dias de hoje, mas não vejo uma grande diversidade de temas. A maioria dos vídeos traz os integrantes da banda tocando em ambientes com a maior diversificação possível, efeitos visuais para deixar o clipe com cara de arte, e não muito mais do que isso. Provavelmente, o meu diretor criativo conclui a mesma coisa, uma vez que a ideia que ele me apresenta não é lá muito brilhante: eu, em preto e branco, tocando minha guitarra e cantando a música em ambientes externos, entre eles o topo de um grande edifício em São Paulo e as ruas da cidade. A ideia de não usar cores, ainda que não seja inovadora, me agrada bastante. Eu sempre admirei a estética dramática, desde ensaios fotográficos de grifes que queriam parecer conceituais, até filmes contemporâneos rodados por diretores que queriam agradar ao público cult. Sou um grande fã da fotografia do cinema de Bergman e Fellini. Como não esperava muito de um clipe que não tinha a menor vontade de gravar, me restou apenas concordar com os demais detalhes. Pelo menos combinaria com a paisagem urbana triste e deprimente de São Paulo.
As gravações começam, e eu preciso confessar que, não importa o que os outros artistas digam, nunca é tão difícil gravar um videoclipe, principalmente se ele for de rock. Basta chegar ao estúdio ou à locação, sentar na cadeira com o meu nome gravado, esperar a moça da maquiagem fazer o serviço no meu rosto e esperar que o diretor, assistentes e contrarregras preparem o cenário, as luzes e as câmeras. Você levanta e, já com a letra na ponta da língua – o mínimo que se espera do músico – começa a gravar, tomada por tomada, cada parte da música em frente às câmeras, diversas e infinitas vezes, para que o editor tenha diversos ângulos para usar. Não precisa sequer cantar realmente, você apenas abre e fecha a boca conforme a letra, no melhor uso de playback que sua carreira pode proporcionar, sem preocupações com falhas técnicas ou desconfiança por parte do público.
Depois de dois dias gravando o videoclipe, deixo São Paulo dando graças a Deus por ir embora daquela cidade cinzenta e volto para o meu belo Rio de Janeiro, que, apesar de todos os problemas, é uma cidade linda e harmoniosa. A única harmonia de São Paulo são os prédios, céu poluído e sujeira, coisas que casam bem uma com a outra.
A divulgação continua com os programas de televisão. Eles são mais de apresentações do que entrevistas, então eu entro, canto meu single e respondo a duas ou três perguntas básicas que os apresentadores sempre fazem. Quando sai o disco? O que podemos esperar dele? Há chances de sua banda retornar? Eu não sei responder a última pergunta de outra maneira que não seja com um não um tanto seco e deselegante. Não faço ideia de onde estão os outros integrantes d'Os Estapafúrdios, porque eles não são mais meus amigos, não me interesso pela vida deles, não tenho vontade de ter contato e, para falar bem a verdade, quero mais que eles se fodam. Entretanto, não sei por qual motivo, as pessoas sempre se interessam em saber sobre a possibilidade de retorno de bandas que acabaram há muito tempo, embora, no nosso caso, ninguém tenha feito questão de ouvir a banda no último ano de sua existência, e os discos tenham encalhado nas lojas, tornando-se, talvez, a razão principal para a separação. Já não aguento mais ouvir essa mesma pergunta desde que voltei a dar entrevistas, mas ninguém parece perceber isso, embora minha expressão facial deixe meu desconforto bem claro assim que a questão surge. Penso nos Beatles, que foram questionados desta forma toda vez que cruzavam com um ser humano em qualquer lugar do planeta, não importa se era fã, entrevistador ou apenas curioso, por pelo menos dez anos até a morte de John Lennon acabar com a esperança. Vejo as reações grosseiras de Noel Gallagher a respeito do Oasis e não posso condená-lo. Estamos tentando ganhar a vida e divulgar a carreira solo, por que diabos as pessoas insistem em falar sobre um passado que não volta? Será que sozinhos somos tão desinteressantes? É bastante irritante quando ninguém parece levar a sério seu trabalho individual.
Sobrevivo à dinâmica de mais um talk show, ao pesadelo de pisar outra vez nos estúdios de um reality show e a um programa matinal em que a apresentadora insiste em falar sobre rock enquanto prepara uma moqueca suína. Quando a maratona acaba, fico aliviado. Os programas mantêm uma boa média de audiência, e os vídeos são todos divulgados na internet, tendo uma boa recepção por parte do público e tornando meu nome um dos assuntos mais comentados outra vez. A leva de mensagens cresce de novo na minha caixa postal.
O clipe finalmente termina de ser editado – nunca vou entender porque alguém leva tanto tempo para concluir um vídeo de pouco mais de três minutos de duração – e a gravadora o lança no YouTube. Ele ganha um bom número de acessos em poucas horas e cresce a cada dia. Logo passa a ser exibido em canais de televisão especializados em videoclipes e alavanca a venda do single no iTunes, a posição na Billboard e nas rádios. Eu comemoro, e a gravadora, que quer mais e mais dinheiro, pede mais uma vez que eu escolha o segundo single.
— É a hora, Alex — me lembra Francis, que age como se todo o sucesso até agora fosse crédito dele. — Um hit atrás do outro, é o que precisamos. Sem intervalos.
— Não é essa a minha preocupação — eu confesso. — Mas a data de lançamento do disco.
— Poucos dias depois do segundo single — ele decide, sem rodeios. — Talvez na mesma semana. Costuma funcionar. O primeiro single serve para mostrar o seu retorno e sua nova sonoridade; o segundo, para alavancar as vendas do disco. Com ele saindo apenas alguns dias antes, as pessoas estarão interessadas em você e irão comprar.
Decidimos que o segundo single será lançado em quinze dias, com o álbum saindo quatro dias depois. Fico satisfeito com as datas, e Francis promete fazer o anúncio oficial da data do disco na página da gravadora ainda naquela tarde. Saio do escritório dele com a certeza de que meu álbum está pronto para ser lançado, mas em pouco tempo descubro que estou errado.
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Do Jeito que o Diabo Gosta
HumorLIVRO INTEIRO JÁ DISPONÍVEL PARA LEITURA GRATUITA AQUI NO WATTPAD✌🏻 Alex Britto é uma subcelebridade decadente. Depois de vencer um reality show musical com sua banda de rock e se tornar famoso da noite para o dia, seu sucesso desapareceu na mesma...