Capítulo 62

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Abro os olhos em algum momento. Meu corpo inteiro dói.

Não tenho ideia de quanto tempo se passou desde que apaguei. Tento descobrir onde estou, e não demoro a perceber que ainda estou preso às ferragens do carro. Minha cabeça lateja, e sinto um gosto azedo na boca.

Parece que ainda não estou morto.

Tento me locomover, mas, além de ter lata amassada me espremendo, o cinto de segurança me prende ao banco. Não consigo desprendê-lo. Então me lembro. Viro a cabeça para o lado com dificuldade e procuro por ele.

Hugo não havia colocado o cinto.

Não posso acreditar. A situação é tragicamente clara.

Hugo está morto.

Fico sem ar. Uma sensação de agonia toma conta de mim, mas não há nada que eu possa fazer. Sequer consigo me mover. Estou preso nas ferragens de um carro destruído, meu único amigo está morto e a culpa é toda minha. Não tenho voz. Quero gritar, mas não consigo.

— Hugo... — suplico com a voz falha. — Hugo... Por favor... Acorde...

Ele não pode responder. Tento olhar para o rosto dele, ensanguentado e inexpressivo, mas é difícil. Lagrimas começam a correr de meus olhos.

O que eu fiz? O que me tornei?

Vejo a movimentação lá fora. Carros começam a parar. Tento pedir ajuda, mas minha voz sai baixa. Eles não vão escutar.

— Rápido, se apressem! — alguém grita.

— É o Alex Britto? — outra pessoa pergunta.

— Sim, é ele.

— Está morto?

— Não sei. Fotografa primeiro o carro de longe. Rápido! A polícia vai chegar logo.

Então o inevitável acontece. O carro, o acidente. O corpo de Hugo. Tudo passa a ser fotografado, há flashes em todos os lados. Outra vez somos atrações de circo. Hugo, mesmo depois de morto, vai estampar os jornais do dia seguinte. Dentro de minutos suas fotos serão compartilhadas em sites duvidosos e serviços de mensagens. A curiosidade atiça, e a multidão aumenta do lado de fora, todos ansiosos por detalhes da nova tragédia. Posso ouvir um repórter fazer a cobertura ao vivo do acidente, as luzes da sua câmera voltadas na minha direção.

O show do qual eu sempre quis participar tem um preço caro.

E então alguém parece se lembrar.

— Chamaram uma ambulância?

— Liga para o 190.

O Diabo tentou me matar, e quase conseguiu. Ao invés disso, levou o Hugo. Ainda estou dentro do carro, e estou sozinho. Não tenho mais a ajuda dele. Preciso sair daqui o quanto antes. O próximo serei eu.

Alguém se aproxima e tenta abrir a porta, puxando com força.

— Alex, vou te tirar daí.

Não faço ideia de quem é, mas é uma voz feminina.

— Por favor, alguém me ajude! Ele vai morrer, se não o tirarmos daqui!

Fecho os olhos e tento me acalmar enquanto outras pessoas a ajudam a abrir a porta. Alguém a puxa e dá fortes chutes. O carro sacode, ela cede um pouco, mas não o suficiente para que eu possa passar. Vejo uma mão passar pelo vão e desprender meu cinto de segurança. Eles continuam a forçar a porta.

— O outro está morto?

Ninguém diz nada. A resposta está clara.

Alguém coloca um pé de cabra no vão da porta, e outros fazem força em direções opostas. Eles tentam por longos minutos.

Do Jeito que o Diabo GostaOnde histórias criam vida. Descubra agora