Capítulo 14

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Passo o resto do dia com um sentimento de angústia, aquilo que a gente sente quando pensa sobre o futuro com pressa, sabe que precisa tomar uma decisão importante e não faz ideia do que escolher. Detesto ficar desta maneira, mas não encontro uma saída. Hugo vai embora com a desculpa de que tem um compromisso, e eu me sinto abandonado por um amigo que mal conhecia até um dia atrás. Percebo o quão crítica é a minha situação. Tenho a maior escolha da minha vida a fazer e ninguém com quem dividi-la, o que provavelmente me torna alguém muito, muito solitário.

Tomo um banho para refrescar a cabeça, faço um café e abro a geladeira para refletir. Ela está vazia, um claro sinal do meu descaso. Noto, entretanto, uma velha garrafa de vinho tinto no fundo, aberta dias atrás, e percebo que ainda há o suficiente para encher uma ou duas taças. Sirvo. Quando a bebida começa a descer pela minha garganta, sinto a necessidade de falar com alguém.

— Você está aí?

Olho em volta no meu apartamento, mas não vejo nenhum movimento, nada de diferente. Nem mesmo o Diabo parece disposto a conversar comigo nesse momento, embora houvesse prometido aparecer quando fosse a hora. Viro a taça de uma vez.

— Você não está aí, como prometeu. Talvez não seja real. Talvez eu tenha imaginado tudo em uma ressaca muito incomum. Eles devem ter colocado alguma coisa na minha bebida naquela noite...

Fico em silêncio por um instante, enquanto o único barulho que escuto é o da rua.

— Sim, eles colocaram — diz uma voz, do nada, mas não vejo ninguém. — Era um uísque irlandês, ano 2004. Bom, a primeira dose. Depois, foram outras coisas. Mas você não tem do que reclamar. Era dos bons. Eu mesmo já o provei.

— Onde você está? — eu pergunto.

— Já disse, estou em todos os lugares e em todas as mentes. Em algumas mais, em outras menos.

— Apareça! Não quero falar com as paredes.

Não ouço nada por instantes, até que um vulto surge e desliza pela cozinha. Ele não está como na última vez em que o vi. Agora usa um terno escuro, também de marca, embora o mesmo sorriso sarcástico estampe seu rosto.

— Imaginei que, uma vez que estivéssemos apresentados, uma forma humana seria desnecessária.

— Sinto-me como se falasse com um espírito.

— De certa forma, é isso, e você precisa se acostumar, Alex. Não sou humano, e os humanos precisam compreender o fato de que nem todos que habitam este planeta são como eles.

— Não custa nada colocar um terno de grife e dar as caras, não é?

— Bem, na verdade, não custa nada mesmo, ao menos para mim. Não entendo como vocês, humanos, trabalham semanas para comprar este tipo de coisa... De qualquer maneira, não é confortável se portar como alguém que não somos verdadeiramente. É exatamente assim que eu me sinto quando finjo ser humano.

— Eu nunca tive paciência para ouvir namorada falar sobre sentimentos e agora estou escutando o Diabo falar sobre os seus.

— Você me chamou — ele muda de assunto. — Deve ser algo importante.

— Na verdade, não muito. Acho que eu só queria alguém com quem conversar.

— Olha só quem está sentimental agora.

Não respondo. Ele balança a cabeça, decepcionado.

— Veja, Alex, quando selarmos nosso acordo, esse é um dos problemas que serão eliminados. Não quer a solidão? Não há problema. Você poderá ter quem quiser, na hora que quiser. Sua casa estará cheia de garotas nuas, se assim desejar. Parece uma boa saída, não?

— É justamente esta a questão, preciso decidir a respeito do contrato.

— Bem, não sei mais o que posso dizer para ajudá-lo quanto a isso. Realmente é uma excelente proposta, e, se não consegue perceber isso, temo que não haja nada que eu possa fazer. Já fiz minha parte. Tenho outras pessoas a atender, você não é a única celebridade desesperada neste mundo. Chame-me quando tiver uma decisão, mas apenas quando tiver uma. Não tenho tempo a perder com besteiras.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele desaparece novamente. Sozinho outra vez, sirvo uma nova taça de vinho, sento-me no chão da cozinha e apoio as costas no armário. Bebo em silêncio. 

Do Jeito que o Diabo GostaOnde histórias criam vida. Descubra agora