Capítulo 54

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A primeira coisa que faço ao entrar em casa é descobrir se o que a jornalista disse é verdade. Não demoro a confirmar.

"Religiosos afirmam descobrir mensagens subliminares no disco Blessed Whiskey"

"Líder de igreja pede boicote a Alex Britto"

"Show pode ser cancelado após polêmica"

Continuo lendo as notícias. Elas não param de surgir. Não posso acreditar. Nunca pensei que eles pudessem de fato descobrir ou confirmar qualquer coisa. Logo depois, encontro o comentário de um fã em um portal de música.

"Eu ouvi o disco diversas vezes desde que saiu. Adoro as músicas do cara, mas, quando começaram a falar das mensagens, parei para ouvir outra vez. Baixei um programa que toca o áudio de trás para frente... E caramba! Fiquei arrepiado quando escutei pela primeira vez, para falar a verdade. Tem algo sinistro ali. Será que é coincidência? Não sei dizer, acho que não pode ser. Nunca mais vou ouvir as músicas do Alex da mesma maneira."

Mas que droga! Dou um soco na mesa, tamanha é minha fúria. Sirvo uma dose de uísque para tentar relaxar, e leio outro depoimento.

"Dei o álbum de presente para a minha filha no aniversário, mas agora estou arrependida. E se for verdade? E se for uma má influência? Pedi a ela que não ouça mais aquilo, vai saber."

Só havia uma coisa me preocupando: eu iria começar a perder fãs.

Ligo a televisão e começo a trocar os canais. Há uma emissora que termina de exibir uma matéria sobre mim no momento em que eu sintonizo, e não consigo pegar nada. Continuo mudando até que encontro outra. Há uma repórter na frente da minha casa, fazendo uma transmissão ao vivo.

"Falamos direto da mansão de Alex Britto, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. A casa, pela qual ele pagou mais de dez milhões de reais, está repleta de jornalistas e manifestantes, que não param de chegar."

Dez milhões? Espero que os fiscais do imposto de renda não assistam a esse tipo de programa.

"Os protestos se devem à possibilidade de que, segundo estudos, Alex Britto tenha incluído mensagens subliminares nos seus discos, que só podem ser ouvidas quando as músicas são tocadas de trás para frente. Não há comprovação, embora muitas pessoas confirmem terem escutado frases como... — a repórter baixa os olhos para ler algo na folha de papel em suas mãos. —Bem, um telespectador escreveu dizendo ter escutado a frase "Eu fiz um pacto para comprar o novo iPhone de 128GB" quando tocou a faixa seis do álbum. De qualquer maneira, Alex Britto chegou ao local há pouco, com um amigo não identificado, que deixou o local ao perceber a presença da imprensa. Quando abordado, o Sr. Britto não confirmou nem negou as acusações, mas disse que a revolta dos religiosos se deve ao fato de que ele agora é mais popular que Jesus Cristo."

Mas que merda! Qual é o problema dos jornalistas? Eles não param de colocar palavras na minha boca! Vou até a sacada e abro a porta.

— Saiam daqui, seus miseráveis filhos da mãe!

Ouço meu grito ser transmitido ao vivo pela televisão com apenas alguns segundos de atraso.

"O Sr. Alex Britto acaba de aparecer na sacada da sua mansão milionária gritando ofensas contra os jornalistas e suas respectivas mães. Muitos dos repórteres são pais de família que apenas fazem seu trabalho para poder sustentar seus filhos e pagar por uma boa escola. O Sr. Britto parece estar sob o efeito de entorpecentes."

Sempre pode ficar pior.

— Onde está você? — grito para as paredes. — Preciso da sua ajuda!

Nada acontece. A minha sala continua em silêncio, quebrado apenas pelo som da confusão do lado de fora.

— Ótimo! Você vai sumir quando eu mais preciso.

Sento no sofá e tento me acalmar. Tomo mais uma dose de uísque. O barulho lá fora não cessa, e começa a me enlouquecer. E se nunca mais parar? E se eu tiver de conviver com a revolta pública para sempre?

A bebida não ajuda. Abro a gaveta da sala, tiro um saco de pó de dentro, espalho uma fileira sobre a mesa e cheiro tudo. Eles querem me ver louco? Espalharam que estou chapado? Então é o que eles vão ter.

Volto para a sacada.

— Vão embora, porra! Saiam da minha propriedade!

O disparo dos flashes continua. Eu não me escondo mais. De repente, ouço um ruído vindo da sacada, a poucos metros de mim. Não estou sozinho. Há um gato branco miando para mim.

— Vá embora você também, ou vai sair em todos os jornais amanhã. É isso o que você quer? Eu imagino o que você está pensando. Vou lá, miar na sacada do famoso Alex Britto enquanto os paparazzi fazem seu trabalho, assim vou sair nas capas das revistas de celebridades. Vou ficar tão conhecido quanto ele. Vou arrancar um pedaço da fama. Serei o gato mais popular do Rio de Janeiro!

"Miau", é tudo o que ele me responde.

— Pare de miar, caramba. Só sabe fazer isso?

"Miau."

O pó começa a fazer efeito na minha cabeça.

— Pare, ou você vai me pagar.

"Miau."

Na minha casa, quem manda sou eu. Não posso deixar um maldito gato sarnento me desafiar. Corro até a sala e pego uma manta em cima do sofá. Volto até a sacada. Enrolo o gato gordo no tecido. O sacana nem se mexe. Ele me olha como quem diz: "não tenho medo de você, não estou nem aí".

— Vamos ver quem é que manda aqui, gato fedorento.

Levo o gato enrolado na manta até o centro da varanda, me inclino para a frente e penduro-o do lado de fora.

— Diga, gato! Quem é que manda aqui?

"Miau! Miau!"

O gato mia desesperado.

— Eu sei, você está com medinho, né? Medinho! Vou te jogar daqui e descobrir se gato cai mesmo em pé.

Ouço a voz vinda da televisão.

"Inacreditável! Alex Britto passa dos limites mais uma vez! O cantor carioca pendurou um bebê para fora de sua sacada, e parece que vai mesmo jogá-lo! Alguém chame a polícia imediatamente!"

— O quê? Além de sensacionalista, é cega? É um gato! É a porra de um gato!

— O que está fazendo, Alex Britto?

A voz vem de algum lugar atrás de mim, me assustando. Eu me atrapalho, tropeço e deixo a droga do gato cair. Eu não sei se iria mesmo jogar o maldito bicho, mas ele acaba caindo de qualquer maneira. Gira no ar, dá diversas rodopiadas e então desaba diversos andares abaixo, no chão, com as quatro patas para baixo, são e salvo. E sai andando, como se nada tivesse acontecido. Eu me pergunto quantas vidas ainda restam a ele.

"Oh, meu Deus! Alex Britto acaba de jogar um bebê da janela! Uma tragédia cruel e de tristes proporções acaba de abalar o país."

Graças à altura do portão, aqueles babacas não podem ver o gato andar despreocupadamente pelo meu jardim. Eu me viro para ver quem acaba de arruinar minha vida um pouco mais. O Diabo me encara com um olhar sério, e parece um bocado furioso.

— Agora você decidiu maltratar animais? — ele pergunta, de mãos na cintura, como uma mãe brava. — Nem eu mesmo posso permitir uma coisa dessas.

Do Jeito que o Diabo GostaOnde histórias criam vida. Descubra agora