Capítulo 22

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Ezra me recebe animado pela manhã, com aquele terrível bom humor fora de hora que me incomoda tanto. Assim que entro no seu escritório e me sento, ele joga um jornal no meu colo.

— Parece que a imprensa finalmente lembrou que você existe.

É a página do caderno de artes. Passo os olhos e logo reconheço minha foto no canto inferior. É uma nota considerável.

— Viu o título? — Ezra me pergunta.

"Roqueiro prepara retorno"

"Alex Britto resolveu voltar à música. O cantor e guitarrista, ex-participante do programa Rockstar – o reality show que ele venceu com sua antiga banda, Os Estapafúrdios –, deu os primeiros sinais de retorno. Apóslançar dois discos com a banda e um solo, Alex Britto estava, há oito anos, afastado da carreira artística. Agora, ele está de volta aos estúdios cariocas, e, desta vez, com ninguém menos do que Mark Johnson, o famoso produtor britânico. Não se sabe ainda se já existe uma previsão de lançamento ou qual será o título do novo álbum, mas fontes afirmam que Alex quer mostrar o bom e velho rock-and-roll para a garotada dos dias de hoje. O disco, entretanto, não deve demorar. Segundo a fonte, está quase pronto e passa por uma pós-produção."

 — Quem escreveu isto? — eu pergunto a Ezra.

— Deve ter o nome em algum lugar na página. Por quê?

— Eles me tratam como se estivessem surpreso com o meu retorno, como se eu fosse uma múmia levantando do sarcófago.

— Ninguém espera uma longa carreira para um ex-participante de reality show.

— Quantas vezes você ainda vai repetir isso?

— Juro que parei agora — ele ri.

— Tem ideia de quem é a tal fonte?

— Provavelmente alguém ligado aos estúdios onde vocês gravaram, mas essas notícias se espalham facilmente, não é nada que possamos controlar. De qualquer maneira, é uma publicidade gratuita. É bom que a mídia cause burburinho sobre o seu retorno. Vai ajudar a criar interesse no público.

— Você me chamou aqui só para isso?

— Não, tenho uma boa notícia.

— O que é, agora?

— Você recebeu uma proposta.

— É uma entrevista?

— Não, melhor do que isso. Um contrato.

— Com quem?

— Com a United Brothers Records.

— É uma gravadora?

— Sim.

— É internacional?

— Não, é nacional.

— E por que o nome está em inglês?

— Porque eles pensem que assim fica mais chique, e soaria bobo em português.

— Qual é a proposta?

— Eles entraram em contato comigo assim que souberam que você estava gravando um disco e que eu o gerenciava. Fizeram uma boa oferta. Como o álbum já está quase pronto, eles vão cuidar apenas da divulgação e da distribuição; você não ficará preso a nenhum contrato para os próximos discos e terá todo o suporte que precisa agora. E o melhor: eles são irmãos mesmo e vêm de uma família dona de um conglomerado na imprensa nacional, são proprietários de diversos jornais, revistas, canais de televisão aberta e a cabo, e portais de notícias. Vai ser uma bela cobertura do lançamento.

— Ou seja, vou fazer parte de um monopólio das comunicações.

— O que ajuda muito. Não adianta querer bancar o politicamente correto nessa indústria. Monopólio só é ruim quando eles não vão com a sua cara; se você é distribuído por eles, só terá vantagens.

— Tudo bem. Assine a droga do contrato, preciso logo desse disco nas lojas.

— Tem outra coisa: precisamos decidir o título do álbum.

— Não pensei sobre isso ainda.

— Você pode apenas escolher o nome de alguma das músicas.

— Não gosto disso, parece que uma faixa é mais importante do que as demais. O disco precisa de um título só dele.

—Temos que registrar, colocar o nome já no contrato.

— Não se preocupe, vou pensar em algo.

Deito no sofá quando chego ao apartamento, estou cansado. Abro a garrafa de uísque e tomo um gole. Preciso pensar sobre o nome, mas nada de inspirador me vem à cabeça.

— Preciso de um título — digo em voz alta, conversando comigo mesmo. — E preciso logo.

Começa a chover lá fora, o vento empurra a janela e a cortina. Detesto quando não consigo ter ideias, quando preciso ser criativo e não consigo. Perdido, olho para o copo por um longo tempo, como se pudesse encontrar a solução dentro dele.

E realmente a encontro. A voz vem à minha cabeça, do nada.

Claro que bebo uísque. Eu sou o Diabo, eu sei aproveitar as boas coisas da vida. Eu dou a minha benção a elas.

Pego um papel e uma caneta e escrevo o primeiro nome que me vem à cabeça. Ele parece extremamente ridículo para mim, como o título de um filme amador.

Então, escuto outra voz.

Eles pensem que em inglês fica mais chique, e soaria bobo em português.

Eu risco e rescrevo.

Blessed Whiskey.

Do Jeito que o Diabo GostaOnde histórias criam vida. Descubra agora