Ezra me recebe animado pela manhã, com aquele terrível bom humor fora de hora que me incomoda tanto. Assim que entro no seu escritório e me sento, ele joga um jornal no meu colo.
— Parece que a imprensa finalmente lembrou que você existe.
É a página do caderno de artes. Passo os olhos e logo reconheço minha foto no canto inferior. É uma nota considerável.
— Viu o título? — Ezra me pergunta.
"Roqueiro prepara retorno"
"Alex Britto resolveu voltar à música. O cantor e guitarrista, ex-participante do programa Rockstar – o reality show que ele venceu com sua antiga banda, Os Estapafúrdios –, deu os primeiros sinais de retorno. Apóslançar dois discos com a banda e um solo, Alex Britto estava, há oito anos, afastado da carreira artística. Agora, ele está de volta aos estúdios cariocas, e, desta vez, com ninguém menos do que Mark Johnson, o famoso produtor britânico. Não se sabe ainda se já existe uma previsão de lançamento ou qual será o título do novo álbum, mas fontes afirmam que Alex quer mostrar o bom e velho rock-and-roll para a garotada dos dias de hoje. O disco, entretanto, não deve demorar. Segundo a fonte, está quase pronto e passa por uma pós-produção."
— Quem escreveu isto? — eu pergunto a Ezra.
— Deve ter o nome em algum lugar na página. Por quê?
— Eles me tratam como se estivessem surpreso com o meu retorno, como se eu fosse uma múmia levantando do sarcófago.
— Ninguém espera uma longa carreira para um ex-participante de reality show.
— Quantas vezes você ainda vai repetir isso?
— Juro que parei agora — ele ri.
— Tem ideia de quem é a tal fonte?
— Provavelmente alguém ligado aos estúdios onde vocês gravaram, mas essas notícias se espalham facilmente, não é nada que possamos controlar. De qualquer maneira, é uma publicidade gratuita. É bom que a mídia cause burburinho sobre o seu retorno. Vai ajudar a criar interesse no público.
— Você me chamou aqui só para isso?
— Não, tenho uma boa notícia.
— O que é, agora?
— Você recebeu uma proposta.
— É uma entrevista?
— Não, melhor do que isso. Um contrato.
— Com quem?
— Com a United Brothers Records.
— É uma gravadora?
— Sim.
— É internacional?
— Não, é nacional.
— E por que o nome está em inglês?
— Porque eles pensem que assim fica mais chique, e soaria bobo em português.
— Qual é a proposta?
— Eles entraram em contato comigo assim que souberam que você estava gravando um disco e que eu o gerenciava. Fizeram uma boa oferta. Como o álbum já está quase pronto, eles vão cuidar apenas da divulgação e da distribuição; você não ficará preso a nenhum contrato para os próximos discos e terá todo o suporte que precisa agora. E o melhor: eles são irmãos mesmo e vêm de uma família dona de um conglomerado na imprensa nacional, são proprietários de diversos jornais, revistas, canais de televisão aberta e a cabo, e portais de notícias. Vai ser uma bela cobertura do lançamento.
— Ou seja, vou fazer parte de um monopólio das comunicações.
— O que ajuda muito. Não adianta querer bancar o politicamente correto nessa indústria. Monopólio só é ruim quando eles não vão com a sua cara; se você é distribuído por eles, só terá vantagens.
— Tudo bem. Assine a droga do contrato, preciso logo desse disco nas lojas.
— Tem outra coisa: precisamos decidir o título do álbum.
— Não pensei sobre isso ainda.
— Você pode apenas escolher o nome de alguma das músicas.
— Não gosto disso, parece que uma faixa é mais importante do que as demais. O disco precisa de um título só dele.
—Temos que registrar, colocar o nome já no contrato.
— Não se preocupe, vou pensar em algo.
Deito no sofá quando chego ao apartamento, estou cansado. Abro a garrafa de uísque e tomo um gole. Preciso pensar sobre o nome, mas nada de inspirador me vem à cabeça.
— Preciso de um título — digo em voz alta, conversando comigo mesmo. — E preciso logo.
Começa a chover lá fora, o vento empurra a janela e a cortina. Detesto quando não consigo ter ideias, quando preciso ser criativo e não consigo. Perdido, olho para o copo por um longo tempo, como se pudesse encontrar a solução dentro dele.
E realmente a encontro. A voz vem à minha cabeça, do nada.
Claro que bebo uísque. Eu sou o Diabo, eu sei aproveitar as boas coisas da vida. Eu dou a minha benção a elas.
Pego um papel e uma caneta e escrevo o primeiro nome que me vem à cabeça. Ele parece extremamente ridículo para mim, como o título de um filme amador.
Então, escuto outra voz.
Eles pensem que em inglês fica mais chique, e soaria bobo em português.
Eu risco e rescrevo.
Blessed Whiskey.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Do Jeito que o Diabo Gosta
HumorLIVRO INTEIRO JÁ DISPONÍVEL PARA LEITURA GRATUITA AQUI NO WATTPAD✌🏻 Alex Britto é uma subcelebridade decadente. Depois de vencer um reality show musical com sua banda de rock e se tornar famoso da noite para o dia, seu sucesso desapareceu na mesma...