Capítulo 20

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CAPÍTULO 20

As sessões no estúdio continuam.

Eu finalmente consigo compor algo após algum tempo. Nada de mais, nada criativo. Apenas mais e mais canções sobre amor e saudade. Não que eu saiba do que estou falando, não sou um especialista, não tenho absolutamente nada a acrescentar sobre um assunto tão batido, mas eu escuto mais e mais discos de rock e parece que não há outro assunto. Em nenhum gênero da música. Não é difícil escrever canções de amor, é um grande clichê. Basta pegar letras de músicas antigas e mudar algo, trocar palavras, inverter a ordem, dizer a mesma coisa de maneira distinta. As pessoas sempre gostam. Os apaixonados vão ouvir e se encantar, não importa o quão repetitivo seja. O amor é cego e, no caso da música, surdo. As canções pop banalizaram tudo a tal ponto que as pessoas se contentam em simplesmente engolir mais do mesmo. E elas repetem. Elas vivem cantarolando as letras no banho ou no carro.

Tento encontrar outras coisas sobre o que escrever. Penso em arriscar, penso em falar sobre as coisas que eu sei; a busca pela arte e o fracasso diante dela, os sonhos que não alcançamos, o medo de não ser bem sucedido e ser julgado por isso, a decepção no olhar das pessoas. Quero escrever sobre o que realmente sinto. Sei, ainda assim, que nada disso interessa a ninguém. A verdade é que não consigo escrever nada que soe verdadeiro. Então, apenas sigo a velha fórmula que, apesar de tão usada, ainda rende muito dinheiro e boas posições nas paradas. É o que o produtor e a gravadora me pedem, e eu preciso trabalhar, preciso comer, preciso pagar as contas. Também escrevo sobre aproveitar a vida e ser jovem, sobre festas e bebedeiras, sobre ter mulheres em abundância, porque sei que é o que os jovens de hoje querem ouvir, e são eles que busco desesperadamente, na tentativa de soar fresco e agradar a nova geração.

Quando a noite termina, quando o produtor vai embora, e eu permaneço sozinho no estúdio, releio o que escrevi durante o dia. Sonho em escrever letras poéticas como os caras do Legião Urbana, mas as minhas passam longe da decência. Tenho vontade de bater com a cabeça na mesa de mixagem até que ela exploda e eu possa dar um fim à minha vida miserável, que produz qualquer coisa, menos a arte verdadeira.

Entro cansado no apartamento e vou para o banho. A água desce enquanto relembro a conversa de dias atrás. Espero que ele tenha razão. Espero que minha vida mude freneticamente de uma maneira que não sobre tempo para pensar, porque é só o que tenho feito ultimamente.

— Mark Johnson ligou — me informa Ezra, dias depois, pelo telefone, e meu coração dispara. — Ele gostou das demos que mandei. Ele vai produzir você, mas têm só alguns dias disponíveis, o que vai dar apenas para...

— Duas ou três músicas — eu completo.

— Exato.

Ele tinha razão. Às vezes, as coisas demoram, mas sob a tutela dele, sempre acabam acontecendo.

— Quando ele vem?

— Na próxima semana. Ainda estaremos trabalhando nas canções com o Montana, mas podemos fazer uma pausa. Ele vai entender. A maioria dos artistas trabalha com vários produtores no mesmo álbum.

— Não estou preocupado com o Montana.

— Não seja tão duro com ele, o homem nos deu boas ideias.

— Eu apenas tenho uma boa sensação a respeito do Johnson. Ele vai dar bons frutos.

— Vamos ser sinceros, Alex: Mark é um cara de renome, ele traz fama e atenção para o seu disco. Foi por isso que fiz tanta questão em trazê-lo.

— Ele produziu Paul McCartney e Amy Winehouse.

— Eu sei quem ele é, mas, nessa indústria, o nome é tudo o que importa.

— E tudo o que não tenho.

— É apenas uma questão de tempo.

Dias se passam até que volto a receber um telefonema de Ezra para me informar que Johnson está finalmente chegando à cidade. Sugiro buscá-lo no aeroporto Tom Jobim, mas Ezra argumenta que ele não está acostumado a viagens tão longas, e provavelmente vai desejar se acomodar e descansar antes de qualquer reunião de trabalho. Combinamos de encontrá-lo no mesmo dia no hotel onde estaria hospedado, em Copacabana. Ezra me busca de táxi, e noto que nunca o vira tão animado, embora, claro, não o conheça há muito tempo.

— Que dia bonito no Rio! — ele diz, abrindo a janela no carro para deixar o ar fresco entrar.

Eu fecho os olhos por um momento. Minha paciência não está para gente excessivamente bem-humorada.

— O que foi? — ele pergunta, notando minha expressão. — Você deveria estar animado, vai se encontrar com Mark Johnson!

— Não sou do tipo que gosta de dias ensolarados.

— Que horas você acordou?

— Não importa.

— Aposto que foi tarde.

— Apenas prefiro a noite.

— Alex, você mora no Rio de Janeiro. Deveria acordar cedo e ir à praia, tomar sol. Há quanto tempo não vai?

— Na última vez em que fiz isso, eu provavelmente ainda não sabia usar uma guitarra.

— E agora sabe?

Eu olho para ele, que ri alto.

— Brincadeirinha.

Eu tinha um agente bastante espirituoso. Excelente.

O táxi diminui a velocidade e entra à direita, deixando a avenida principal e se afastando da orla. O motorista não demora a estacionar. Eu me pergunto quanto deve custar uma diária naquele luxuoso hotel à beira-mar. Ezra paga o táxi com uma gorjeta generosa. Entramos na recepção e aguardo enquanto Ezra conversa com o recepcionista. Ele volta pouco depois e entramos por uma porta, que nos leva a um longo corredor. Ezra identifica a porta de número indicada e entramos. É uma sala de reuniões. Sentamos em um sofá grande e elegante. Minutos depois, nos levantamos quando ouvimos uma movimentação de passagem. Dois homens entram na sala. Reconheço Mark Johnson imediatamente, embora ele me parecesse bem mais jovem do que eu imaginara. Usa um jeans escuro e um blazer branco, além dos óculos escuros, um velho acessório estratégico do show business. Ele se parece mais com uma estrela do rock do que eu. Ao seu lado, engravatado, eu imagino ser seu segurança. Ezra se apressa e faz os cumprimentos em inglês, e eu me apresento em seguida.

Good evening — eu arrisco, embora não fale nada em inglês desde que Os Estapafúrdios deram algumas entrevistas para a imprensa estrangeira. Essa oportunidade nos fez sonhar com uma carreira internacional, o que agora só me lembra do quanto aquele sonho era bobo e do quanto meu inglês é duvidoso.

Do Jeito que o Diabo GostaOnde histórias criam vida. Descubra agora