Capítulo 27

3 0 0
                                    


Passo os dias seguintes observando os comentários na mídia envolvendo meu nome enquanto me escondo no estúdio para ouvir as diversas demos gravadas para o disco. Tento escolher o primeiro single. Parece uma tarefa fácil, mas não é. Mark Johnson foi à Europa, e eu sigo apenas com a produção do Montana, mas confesso que a ausência faz com que eu me sinta perdido. Gostaria de escolher o single sozinho, mas não posso. Preciso da opinião do produtor e da aprovação da gravadora, que provavelmente fará testes de audição com o público, um exercício que me dá frio na barriga só de imaginá-lo. Pergunto-me como os executivos da gravadora devem escolher meu público-alvo desta vez. No estúdio, minha mesa tem CDs com todas as demos que devem entrar no disco. Montana e eu colocamos para tocar uma por uma, ouvindo e discutindo todos os detalhes, desde a sonoridade até a letra. Fica óbvio que algumas músicas não têm perfil de single, já que, embora funcionem muito bem como parte criativa do disco, não são nada radiofônicas.

— Eu estava pensando nesta — digo a Montana, alcançando-lhe uma demo com uma guitarra pesada e uma letra sobre arrependimento, que eu canto suavemente.

Ele coloca para tocar, embora eu tenha certeza de que ele já a conheça de outras sessões. É uma das que trabalhei com Mark. Ele logo balança a cabeça negativamente.

— É uma ótima música, Alex, é mesmo. Mas ninguém vai querer tocá-la nas rádios. Ela é pesada demais, tanto a guitarra quanto a letra. Ninguém quer algo tão rebelde tocando no caminho do trabalho.

— Dane-se a rádio. Ela é boa. As pessoas vão perceber e ela vai fazer sucesso. A voz calma dá uma amenizada.

— Eu sei que é boa, meu caro! — Ele coloca a mão no meu ombro e aperta, tentando consolar, um gesto que geralmente me irrita. — Mas não vai funcionar. Não é porque você cantou como um viadinho tomando chá de camomila que ela fica leve.

— Por que você não pega logo a canção mais pop do disco e manda para as emissoras?

— Costuma funcionar, e confesso que, justamente por isso, pensei muito nesta.

Ele tira da pilha um disco com uma demo que eu conhecia muito bem. A letra é de um dos compositores contratados com quem Montana costuma trabalhar, e não minha, embora eu também levasse crédito.

— Montana, eu aceitei gravar isso, mas para ser sincero, a letra é tão genérica que parece feita para uma boyband.

— E sabe por quê?

— Por quê?

— Porque é o que as pessoas querem ouvir hoje em dia; letras sobre amor, pessoas apaixonadas, mensagens positivas.

— As rádios já estão cheias disso.

— Porque é o que as pessoas gostam! É isso o que estou dizendo!

— É uma música chiclete. Eu mesmo cansei do ritmo repetitivo ainda quando estava gravando.

— Você deveria dar uma chance.

— Quem sabe, esta.

Aponto outro disco com uma faixa de Mark, que eu sabia, Montana não havia encontrado defeitos para citar. Era uma excelente música, e, embora ele não tenha feito elogios, pude perceber pelo silêncio que ele havia gostado.

— Eu não sei, Alex.

— A letra é poderosa. Não é uma canção de amor, e os acordes vibram.

Montana dá de ombros, vencido.

— A escolha é sua. Mostre à gravadora e descubra o que eles acham.

— Vou fazer isso.

Deixo o estúdio com o a demo que devo encaminhar aos executivos. Torço para que ela seja aceita e faço questão de enviar junto uma carta explicando os motivos. Volto para casa e tento pensar em outra coisa que não seja trabalho, mas não consigo.

Decido comer algo na padaria da esquina. Coloco meus óculos escuros e um boné, porque é o que os roqueiros fazem quando não querem ser incomodados por pessoas comuns com assuntos medíocres das suas vidas anônimas. Ainda assim, vejo olhares na minha direção assim que entro e me dirijo ao balcão para fazer o pedido. Não entendo o motivo, já que moro ali perto e frequento aquele lugar diariamente. Deve ser a entrevista. Espero enquanto uma senhora decide quantos pães são suficientes para alimentar sua família no café da tarde. Ela demora a escolher entre cinco ou oito pães, o que começa a me irritar e me leva a uma reflexão incômoda sobre como nós, artistas – mesmo com todo o glamour de hotéis, entrevistas e programas de televisão – ainda perdemos tempo e ficamos presos a uma convivência social desnecessária com pessoas normais. Ela decide levar oito pães, e chega a minha vez. Peço um tiramisù, porque sou um artista e não posso comer algo com um nome tão simples, como coxinha, que é o que as pessoas comuns comem. Pego também um café mocaccino e me sento em uma das mesas do lado de fora.

— Com licença, senhor — pede uma moça, se aproximando.

Ela é gostosa. Tem uma cintura fina e pernas grossas, e Deus sabe como eu gosto de mulheres de cintura fina e pernas grossas, porque Ele sabe quanto tempo eu costumo passar brincando entre elas quando tenho a oportunidade.

— Pois não?

— Eu gostaria de um autógrafo.

Tento não parecer surpreso e, na verdade, não deveria estar.

— Tem papel e caneta?

— Na verdade, não.

Ela espera que eu resolva o problema, o que me parece um absurdo, já que deveria ser um encargo dela, uma vez que é dela a oportunidade de ganhar o autógrafo de um astro do rock, que ela poderá guardar para mostrar aos netos um dia, se não resolver vender em um leilão para pagar as prestações atrasadas da casa. Então, como bom cavalheiro que sou, me levanto, pego caneta e papel no balcão e volto. Assino meu nome no guardanapo, algo que não faço há muito tempo, e entrego a ela.

— Uma selfie, pode ser também?

Ela abre a câmera do celular, se coloca ao meu lado e aponta o aparelho na nossa direção. Vejo pela tela que estou sério. Penso em sorrir, mas abandono a ideia, porque sei que roqueiros de verdade precisam manter a pose de mau e não devem mostrar os dentes.

— Obrigado — ela agradece.

— Vai fazer algo agora? — pergunto, sem que possa me segurar.

— Nada de mais, por quê?

— Moro aqui perto.

A garota é jovem, não passou dos vinte e dois anos, e provavelmente nunca imaginou conhecer o apartamento de um roqueiro famoso. Eu estou dando a ela uma oportunidade única na vida.

Do Jeito que o Diabo GostaOnde histórias criam vida. Descubra agora