Capítulo 33

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Entro no café e peço um papel e uma caneta.

— Folha grande ou pode ser pequena? — a balconista pergunta.

— Grande. Preciso escrever umas linhas para uma mensagem subliminar.

Ela me olha de forma estranha, mas pega rapidamente um pedaço de folha e me entrega sem se aproximar muito.

— Valeu.

Começo a caminhar em direção à porta.

— É por isso que não deixei meu filho montar banda de rock — ouço-a sussurrar para o colega ao lado. — Tudo drogado.

Do lado de fora, Satã continua sentado, as pernas cruzadas, uma delas balançando no ar, como quem está entediado.

— Não acredita no que aquela atendente acabou de...

— Eu sei, eu escuto tudo.

— Por que as pessoas têm esse tipo de preconceito, achando que roqueiros são todos drogados?

— Porque vocês agem como tal. E porque alguns são mesmo.

— Parece o meu pai falando.

— Não é verdade, seu pai era um católico fiel.

— Eu sei, mas o sermão é quase o mesmo.

A lembrança do meu pai fica na minha mente, e me arrependo no mesmo instante de ter falado sobre ele. O Diabo me analisa.

— Ele não está lá comigo, caso esteja se perguntando.

Levanto minha cabeça.

— Não?

— Não, ele foi para cima.

— Parece que ser tão católico serviu para alguma coisa...

— Ninguém nunca saberá — ele afirma, em tom de correção. — Como eu disse, lá em cima é bem parado, tudo está sempre bem e as pessoas estão sempre sorrindo. Parece um comercial de margarina, mas viver em um comercial de margarina não é o sonho de todo mundo. Não era o meu. É por isso que temos dois mundos, porque eu decidi descer e criar o meu próprio. Imagine que você tem que decidir entre dois lugares para morar: um é uma fazenda no interior, as coisas são paradas por lá, não há muitos eventos, festas, não tem agitação, nada acontece, porém as pessoas que estão lá vivem bem, elas comem o que é plantado ali mesmo, dormem cedo, tem silêncio, tranquilidade e segurança, não há crimes. Para alguns, isso é um sonho. Para outros, não. Então, temos a segunda opção: seria, talvez, uma metrópole; há gente demais, há trânsito, as pessoas andam comprimidas no transporte público, tem a violência e a insegurança. Ainda assim, mesmo sabendo da vida calma do campo, milhões de pessoas escolhem viver na cidade grande, com todas as perturbações que ela tem, porque preferem viver uma vida infernal a morrer de tédio.

— É uma boa metáfora para o Inferno.

— Estou melhorando nisso, tenho treinado. Se vou fazer uma Bíblia, preciso de várias.

— Bem, e os versos que você quer escrever? — pergunto, indicando o papel e a caneta. — Vamos fazer ou não?

— Já havia me esquecido — ele diz, tentando se concentrar. — Vamos lá! Eu digo, você anota e...  deixe-me pensar... Eu gostaria de inovar desta vez. Sei lá, colocar algo bem criativo... não gosto de me repetir. Minha contribuição à arte precisa ser autêntica.

— Tudo bem, mas o quê?

— Hum... O nome do disco é Blessed Whiskey, então..., anota aí. Você vai cantar: "Eu ofereci café ao Pai das Trevas e ele pediu uísque. Depois, ele não saiu mais do meu apartamento". Gostei! Eu tomando uísque, coisa de gente fina.

— Desculpa, mas eu não consigo me imaginar cantando isso em uma música.

— Ninguém vai entender, uma vez que a frase estará de trás para frente.

— E como eu, supostamente, vou colocá-la desta maneira?

— Você vai ter que separar por sílabas e analisar a fonética de cada uma. Não precisa fazer sentido quando a faixa tocar normalmente. Vai soar como um monte de sons aleatórios, como se estivesse falando em outra língua.

— Tudo bem. Vou colocar no final do segundo single.

— Coloque no meio. As rádios costumam cortar trechos desnecessários no começo ou no final quando editam a música. Entre os versos sempre fica bom, e ninguém acha estranho.

— Algo mais?

— Não, por enquanto é tudo.

— Tudo bem, Lulu. Posso te chamar de Lulu? É um apelido para Lúcifer. Nós, humanos, fazemos isso com os nomes. Agora, se não se importa, é melhor eu ir, tenho trabalho a fazer. Eles estão quase mandando o disco para a fábrica, e tenho que dar um jeito de colocar esse trecho no original antes disso.

Ele se despede e deixa a cafeteria. Tiro o telefone do bolso e disco um número.

— Alô? — diz a voz.

— Hugo, preciso da sua ajuda.

Do Jeito que o Diabo GostaOnde histórias criam vida. Descubra agora