UMA SEXTA - SUMINDO

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Havia acontecido tudo naquela quarta-feira, e o principal, Camila estava sumida, novamente. Tudo bem que eu e minha melhor amiga não conseguíamos nos falar tanto agora quanto éramos mais jovens, porém eu ainda assim estava preocupada. Principalmente por causa dos acontecimentos da última noite. Ela havia me acordado de um pesadelo e me beijado. Como eu deveria considerar isso? O que deveria pensar? Será que ela se sentia atraída por mim dessa forma? Como eu nunca havia notado? Era tudo um saco! Eu queria conversar com ela para falarmos do acontecido, mas ela não me respondia no what's e muito menos atendia minha ligações. Orgulhosa, seria a palavra para definir a atitude de Camila. Será que ela estava chateada com o "fora" que eu havia lhe dado? Eu poderia explicar se ela me desse uma oportunidade.

Estava tão absorta em meus pensamentos que mal notei a presença de Francisco na cafeteria do Correio Brasiliense. Era uma sala aconchegante e com uma pequena janela onde poderíamos tomar café com calma e até mesmo fazer um lanche, caso estivéssemos com fome o suficiente para isso.

- Está muito distraída. – comentou ele.

Francisco não deixava passar nada, não sei se o seu "gaydar", como ele mesmo apelidava o sexto sentido que dizia ter, era capaz de perceber quando havia alguém chateado. Eu e Francisco éramos um pouco mais íntimos, conversávamos sobre muitas coisas. Ele era uma pessoa divertida e ao mesmo tempo reservada. Muitos especulavam na empresa a sua sexualidade, ele contornava bem a situação, pois não achava que o pessoal ali deveria saber da sua vida. Com isso eu deveria concordar, e assim nos aproximamos.

- Um pouco. – disse ainda apoiada na bancada.

- Quer conversar sobre isso? – perguntou ele – Se não quiser falar tudo bem. Mas, desabafar às vezes ajuda.

- Está tão na cara assim que estou chateda? – ainda perguntei protelando um pouco o assunto.

- Desembuxa. – disse simplesmente.

Respirei fundo e pousei a xicara de café na bancada atrás de mim. – Minha melhora amiga... – comecei vendo o afirmar com a cabeça.

- Camila... – disse ele me completando.

- Sim... – disse respirando novamente – Ela... me... beijou... ontem... a... noite...

Tive que falar com cautela, pois nem eu mesma acreditava no que havia acontecido. Eu havia repassado e passado várias vezes essa cena, e ainda não conseguia acreditar no que havia acontecido. Dizem que falar em voz alta te faz tomar coragem para aceitar o que houve.

- É normal entre amigas... – ele começou, mas o interrompi.

- Não dessa forma Francisco. – disse ponderando – Ela me beijou na boca.

Agora ele estava de boca aberta e perplexo. – Como assim menina? – perguntou ele.

Sorri com a forma dele de falar e fui explicando o que aconteceu. Ele apenas me ouviu e acenou com a cabeça enquanto eu relatava os fatos e a cena que havíamos presenciado. Quando terminei de contar continuei em silêncio esperando que ele me dissesse alguma coisa.

- E você gostou? Retribuiu? – ele perguntou.

- Eu te disse que não. Eu a afastei e fugi apavorada para meu banheiro. Não sabia nem o que falar a ela... – passei a mão pelo meu cabelo nervosa.

- Bem, naturalmente ela já sentia algo por você. Isso é uma fato Maria. – disse ele.

Francisco era o único que não me chamava pelo segundo nome: Madalena. E isso não me incomodava de forma nenhuma, até porque toda vez que alguém descobria como eu me chamava, sempre comparava a Madalena bíblica. E explicar a origem e a escolha do nome era um fardo. Bem, Lorena também não havia me perguntado a origem do nome, no entanto ela não me fazia muitas perguntas quando nos encontrávamos. E eu nem poderia culpa-la por falta de interesse porque eram encontros sempre corridos, exceto quando ela passou o domingo comigo. Ai sim pude descobrir mais sobre ela, não tanto quanto gostaria... Porque ela não parecia tão interessada.

- E ela está me evitando para conversar. – disse eu.

- Maria, isso aconteceu de quarta para quinta. – começou ele – Dê um tempo a ela. Depois vocês conversam. – disse e emendou em seguida – E como vai com Lorena?

Sim, havia me esquecido de mencionar que eu tinha lhe contado a respeito da minha primeira experiência lésbica, mas não relatei as coisas estranhas que veem acontecendo depois que conheci Lorena.

- Bem, passamos o domingo juntas lá no meu apartamento. – comecei, contornando a parte em que Otavio me atacou e Lorena me salvou – E conversamos bastante. Mas, ela não me liga e nem manda torpedos ou um what's. – passei a mão pelo cabelo frustrada com isso.

- Menina, se acalme ou então você irá arrancar todos os fios de sua cabeleira. – falou ele – Ela tem uma vida off-line, assim como você...

- Mas, ela poderia pelo menos me ligar, me mandar uma mensagem ou sei lá... um sinal de fumaça. – disse ainda em frustração.

- E por que você não liga? Ou manda mensagem? Ou sinal de fumaça? – questionou – Você também tem que mostrar interesse. Já pensou nisso? – disse enquanto pousava a xícara suja dentro da pia e se retirava para sua mesa.

Na verdade, eu não tinha pensado nisso. Eu poderia ligar ou mandar mensagem. Não sei por que não o fiz. Claro que com ela era tudo diferente e eu havia decidido que gostaria de ir com mais calma. No entanto, não custava nada. O que poderia acontecer seria ela não me atender?

Peguei meu celular do bolso de trás da calça jeans, procurei seu número na lista de contatos e cliquei para chamar. Coloquei o celular na orelha e me virei para o balcão, não queria que as pessoas vissem minha cara de ansiosa ao passarem ali pela sala. Porque era assim que eu estava, o coração disparado enquanto escutava o telefone chamar, o estômago dando alguns nós, as palmas da mão suando e claro a minha impaciência. No quinto toque alguém atendeu.

- Oi linda. – disse ela.

Eu já sabia que era, mas ela jamais havia me chamado assim. Eu até perdi a fala e era como se eu não soubesse se ela estava mesmo falando comigo, ou esperava outra pessoa ligar.

- Madalena – chamou ela – o gato comeu sua língua?

Pude senti-la esboçar um sorriso divertido ao entender que fiquei sem ter o que falar depois que ela atendeu ao celular.

- Oi – quase gaguejando – O que você vai fazer por agora?

- Hum... – ela começou – Não sei.

Do outro lado da linha tudo estava muito quieto, o que era de se estranhar, porque da última vez que liguei havia muito barulho de vozes femininas.

- O que tem em mente? – perguntou ela me tirando do devaneio.

- Por que acha que te liguei para fazer um convite? – perguntei sem entender o porque falei aquela idiotice.

- Madalena, Madalena... – começou ela se divertindo – Onde posso te encontrar?

Comecei a morder o meu lábio inferior, estava ansiosa e desejava muito vê-la. E saber que ela estava pronta para me ver a qualquer hora, me deixava desconcertada e um pouco nervosa.

- Se demorar demais a responder eu mudo de ideia. – disse ela para me chamar a atenção.

- Ok ok... – eu comecei. – Tem um restaurante...

Expliqueia ela onde ficava o restaurante e lhe chamei para almoçarmos e podermosconversar mais. O que era bom porque assim eu poderia voltar com o questionárioem relação a ela, para descobrir mais um pouco sobre quem seria Lorena.   

MADALENA (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora