PESADELOS - GASOLINA

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- Você não parece bem. – comentou Francisco entrando na sala de lanche.

O olhei calmamente, tranquilizando meu coração para que o mesmo não saísse boca a fora.

Sorri amargamente, deixando uma risada miserável escapar de meus lábios. – Jura? – perguntei ironicamente.

O próprio arqueou uma sobrancelha para mim, percebendo minha irritação. Eu não me importava com meu estado naquele momento, minha cabeça não estava das melhores essa semana. Desde minha última conversa com Lorena as coisas haviam saído de controle, se é que eu algum dia eu tive controle sobre alguma coisa. Havia aprendido desde cedo que minha vida quando queria sair dos trilhos, ela não pedia licença, apenas saia e eu tinha que tentar fazê-la voltar ao normal.

Os pesadelos haviam voltado com força total, há anos que eu não tinha um pesadelo como estava tendo esses últimos dias, então, minhas noites estavam mais em claro que o de costume. Como não estava tentada a dormir para reviver aquele sonho constantemente, eu passava as horas restantes na frente do computador. Isso havia ajudado bastante a minha pesquisa sobre aquelas fotos. Havia muitos jornais amadores que falavam do crime.

- Alguma coisa está acontecendo? – perguntou recostando na bancada ao meu lado.

Suspirei e coloquei a caneca de café encima da bancada onde eu estava apoiada. – Aquela matéria que estou preparando está tomando todo meu tempo. – falei.

Aquela resposta não era totalmente mentira, a única mentira era que o que eu estava fazendo não era uma matéria, eu apenas estava dando uma de detetive e tentando desvendar um crime.

- E como anda com sua mulher? – perguntou me observando.

Olhei-o de canto, eu havia contado sobre Lorena para ele, no entanto, não gostava quando ele me fazia perguntas sobre meu relacionamento. Se é que eu tinha um. Assim como Camila, que não tinha dado as caras desde aquela cena em meu apartamento, Lorena também havia sumido.

- Seu celular está tocando. – disse ele.

De fato o celular estava tocando. Respirei fundo, tentando fazer a irritação passar, era aquele mesmo número pela milésima vez essa semana. – O que você quer? – perguntei friamente.

E lá estava novamente, o mesmo silêncio assustador. – Quem está ai? – perguntei quase gritando.

Notei que Francisco mantinha o semblante sério, tentando esconder o susto de me ver tão descontrolada. Na verdade, eu não estava descontrolada, eu estava assustada. Totalmente acuada, eu via novamente minha vida sair dos trilhos, não da mesma forma que aconteceu no passado, quando perdi minha família, mesmo assim tão intenso quanto. A diferença do agora e do passado, era que naquele ano eu sabia que tinha que continuar, agora eu não sabia mais o que fazer.

- Você sabe que foi Lorena. – e desligou.

Arregalei os olhos tirando o celular da orelha e olhandoi para o visor. Não havia mais número ou chamada continuada, minha tela tinha voltado ao normal, mostrando uma foto minha com meus tios. Tentei rediscar o número, eu não sabia de quem era aquela voz, mesmo assim eu precisava saber o que ela sabia, e como ela sabia que eu estava atrás de informações.

- Esse número não existe. – e caiu

- Impossível... – sussurrei para mim.

Joguei o celular na bancada de mármore e apoiei minhas duas mãos, apertando a beira da bancada até os nós dos dedos ficarem brancos. A cabeça pendeu para baixo e eu fechei os olhos com força. Havia dias que eu não chorava mais, existia apenas uma irritação constante em mim. Forcei o ar que estava prendendo a sair pela boca, contando até me acalmar.

- Madalena... – escutei o estalar de dedos.

Virei minha cabeça lentamente até encara-lo, eu havia esquecido de sua presença. Aquela ligação tinha sido perturbadora.

- Céus! – exclamou ele – Você está horrível.

Não o respondi, apenas o fitei. Ainda estava inerte em pensamentos e as palavras pareciam não ter importância agora. Na verdade, nada mais tinha importância agora. Eu me olhava todo dia no espelho e sabia o quão fundo meus olhos estavam, eu também aparentava estar mais magra, meus braços ainda estavam marcados – o vermelho estava mais vivo – e por isso precisava usar blusa social de manga comprida, e estas não estavam sem seu melhor estado, sempre amarrotada.

- Sinceramente, - ele começou – sinto que estou falando com um zumbi, Madalena. – esperou e quando notou que eu não responderia resolveu continuar – Vá para casa e deixa que eu tomo conta disso aqui. Vá em um médico, pegue um atestado, sei lá. - disse ele - Mas...

- Eu não posso. – disse pegando a caneca e a lavando na pia. – Eu tenho muito trabalho...

- Não! – disse firmemente – Você não está bem. Está se arrastando por todo o trabalho. Olha seu estado. – disse ele me analisando ainda – Se não pode confiar em mim e me contar tudo bem...

Eu ri miseravelmente do comentário, ultimamente eu não confiava nem em minha própria sombra para nada, e sentia uma paranoia, como se eu não pudesse confiar em ninguém.

"Você nunca foi boa em escolher suas amizades.", olhei confusa para Francisco. Não entendi o porquê dele falar aquilo comigo. – O que disse? – perguntei fitando-o

- Que você tem que ir para casa. – e depois mudou de ideia – Melhor, vá para um hospital. Vou pegar o número de um amigo meu que é médico e você vai passar uma semana em casa.

Ele discou o número esperando ansiosamente seu amigo atender, enquanto isso meus pensamentos flutuaram para outro lugar. Realmente, eu não estava bem, achei que tivesse escutado Francisco dizer aquilo, mas era apenas minha cabeça com alucinações. "Agora essa!" disse para mim mesma.

- Pegue. – disse voltando e me entregando um pedaço de papel. – Já falei com ele. Vai estar te esperando e você ficará uma semana em casa. – esperou paciente até que eu tomasse o papel de sua mão. – Não precisa me agradecer. – piscou para mim e saiu.

- Uma semana... – suspirei e sai para minha sala.

MADALENA (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora