TRAIÇÃO - MÁGOA

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Mesmo que eu quisesse não poderia acelerar meu carro, além dos pardais na pista, isso poderia levantar alguma suspeita. De tão desesperada que fiquei não perguntei o que Lorena poderia querer comigo, para me chamar no local onde Camila estava sendo mantida refém. No entanto, ela sabia que eu havia descoberto que a mesma tinha matado Otávio. Mesmo assim, em sua voz eu notará algo diferente. Parecia um discurso forçado e ensaiado.

Tratei de medir meus pensamentos e manter o foco na pista. Ela havia me dado um endereço que eu não conhecia, era ali no SIA. O endereço em questão me levava a uma parte deserta e escura daquele lugar, parei em frente a um galpão antigo e abandonado onde guardava os carros das concessionárias ali perto. Mantive os faróis acesos, notei por umas janelas pequenas na parte de cima, que havia uma luz fraca ali dentro do ambiente feito de placas de metal. Respirei fundo, coloquei o celular no bolso, caso conseguisse fugir poderia chamar a polícia. Abri a porta do carro e fui andando até o portão de metal.

Olhava de um lado para o outro enquanto andava, procurava qualquer movimentação ou barulho. Não havia nada. Até mesmo o silêncio era assustador ali. Apressei-me um pouco mais, mas parei. Havia um portão menor, do tamanho de uma pessoa, ele estava abrindo levemente e devagar, produzindo um rangido de metal enferrujado.

Meu coração acelerou ao notar que ele não estava aberto no segundo passado, e que neste exato momento ele misteriosamente fazia menção para que eu entrasse e encarasse o pesadelo que estava por vir. Não havia brisa e nem vento frio, mesmo assim fui obrigada a me abraçar para afastar os calafrios que afligiam meus braços desnudos.

Voltei a caminhar, escutando apenas o solado do meu tênis fazer barulho no chão de terra. Olhei novamente de um lado para o outro, não notando nenhum movimento apressei-me em passar por aquela porta.


Fui pega pela escuridão depois de passar o portão. Senti o metal se fechar as minhas costas. No susto tentei abrir a porta, mas nada funcionava, o trinco não saia do lugar e ela parecia emperrada, ou colada. "Como abriu?" pensei comigo.

Voltei a olhar para frente, tive que me acostumar com a súbita escuridão que acometeu minha vista. Ali dentro era tudo muito sujo e cheio de metais não utilizados, parecia mais uma fábrica de reciclagem. Um odor fétido passou por meu nariz, fazendo-me levar a mão para tampa-lo e evitar respirar aquele ar pesado.

Voltei a andar, alguns caixotes e trinquilharias de metal estavam bloqueando minha vista, tive que rodeá-las até chegar ao centro onde uma luz pequena se encontrava. Camila encontrava-se amarrada, seus pés presos às pernas da cadeira e os braços para trás do encosto, seu cabelo ruivo encobria o rosto tombado. Parecia inconsciente.

Sem me dar conta do perigo corri até ela, abaixei-me e procurei seu rosto. Levantei-me e puxei seu cabelo, buscando seu rosto. Em um ímpeto de desespero eu soltei o rosto inerte e sem vida, os olhos daquela criatura eram totalmente brancos, seu pescoço estava dilacerado e com sangue seco, a peruca caiu de sua cabeça, mostrando os fios loiros. Sua boca estava congelada em um grito mudo e sem vida.

Com o pavor que me foi tomado eu acabei tropeçando em meus próprios pés, caindo com as costas no chão. Arrastei-me o máximo que pude para me afastar daquela criatura que um dia foi humano. Eu estava apavorada e fiz menção de pegar o celular do bolso.

- Eu se fosse você não faria isso. – uma voz aveludada tomou conta do ambiente.

Parei com a mão próxima ao meu bolso dianteiro. Levantei-me e busquei a dona da voz. Sua voz era gélida e aveludada, havia um tom de escárnio enquanto falava. Uma risada se fez em todo o ambiente, fazendo um arrepio subir por toda minha espinha eriçando os pelos do meu corpo.

- Está com medo Madalena? – perguntou.

Parecia mais próxima e ao mesmo tempo mais distante. Não conseguia saber ao certo de onde ela vinha. Sentia seus olhos observando-me, sondando meu desespero.

- Quem é você? – tentei controlar minha voz o máximo que pude – O que quer? – gritei.

Tudo pareceu cessar, o único som presente era o da minha respiração exasperada. Uma onda de adrenalina passava por minhas veias, mantendo-me alerta. Meus olhos não perdiam um movimento sequer, mesmo não havendo nenhum movimento, nem ninguém que eu pudesse enxergar.

Ouve uma movimentação que eu não pude distinguir alguém estava saindo das sombras e entrando no único círculo de luz presente. Ofeguei ao ver quem era. Camila estava ali na minha frente, seus olhos dourados as pupilas como a de um gato. Permaneci no mesmo lugar, não fiz menção de correr ou andar até ela, minha mente foi puxada para aquela noite na boate em que eu a vi. Seus olhos... Como os de um gato. Havia um brilho diferente. Ela me analisava atentamente. Parou atrás da cadeira onde o corpo daquela criatura estava. Seus olhos desceram até ele e seu dedo indicador o tocou, fazendo o corpo tornar-se poeira.

- Do pó ao pó. – disse sem emoção.

Engoli em seco até escutar um som diferente, como se rasgassem o vento, assim poderia dizer. Fui acometida novamente por um D'javú, eu já havia escutado aquele som novamente, já havia sentido aquela energia. Outra figura aproximava-se da luz, parou do outro lado da cadeira, oposto ao de Camila.

- Lorena. – disse quase em um sussurro.

- Oi meu amor. – respondeu impassível.

Tive um sobressalto ao ouvir ela falar aquilo, meu coração disparou e tive que engolir em seco, pois achava que o órgão poderia sair garganta a fora de tão rápido que batia. Seus olhos estavam diferentes, um era dourado e sua pupila como a de um gato o outro provinha o azul vivo e cheio de energia, como se ali estivesse o universo inteiro em sua extensão.

Não consegui emitir um som sequer para respondê-la. Estava letárgica e maravilhada com Lorena. Seu olhar era de uma intensidade em minha direção, que eu poderia jurar que vira uma tristeza embalar suas vistas.

- Isso é lindo. – disse em escárnio – Mas, Madalena, você tem algo que eu quero.

Uma sombra formou-se atrás da cadeira onde se encontrava Camila e Lorena. Aquela sombra viva dançava envolta de si mesma até que tomasse forma, o horror que se apossou de minha face deve tê-la divertido, pois abriu um sorriso maligno e cruel, capaz de congelar qualquer um. Seus olhos, antes castanhos foram consumidos em chamas até se tornarem os mesmos olhos de gato que Camila e Lorena também possuíam. Aquele trio parecia implacável.

- Não fique assim. – começou – Já nos conhecemos na Delegacia. Sou eu... Bethânia. – disse com um sorriso horrendo – E eu quero seu sangue Madalena.

Meus olhos se arregalaram com tamanha sinceridade. Só havia uma forma de conseguir meu sangue, e eu não gostaria de saber qual era.

MADALENA (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora