Velhote

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Dois dias se passaram desde o sequestro do Comandante Emerson e do Príncipe Metias. Esse tempo todo eles passaram sem ver um grão de comida e com quantidades mínimas de água. Alguns homens iam e vinham da rua, trazendo ou levando mensagens do castelo, que mandavam e recebiam através de mensageiros abordados na rua, para não comprometer sua localização.

O mais velho e mais experiente do bando e também o homem que se passou por condutor inocente e que forjou sua morte com sangue  de porco, o líder,  chamado pelos outros homens de Agnar, nunca saia da taverna abandonada, responsável por ordenar a quadrilha de longe, sem sujar as mãos.

Além dele, outros dois bandidos revezavam o posto de vigia dos presos. Um homem de porte médio e careca brilhante, chamado de Nika e um garoto magricela de olhos amendoados e pele morena clara, de apenas uns 14 anos, apelido pelos companheiros de Rato, por estar sempre se arrastando sorrateiramente pela cidade, roubando e cometendo pequenos delitos, tentando tornar-se um membro da quadrilha.

Era nele que Metias focava sua atenção, se perguntando como um garoto tão jovem acabou se envolvendo com essa vida de crime.

Agnar, hora ou outra parecia frustrado com os bilhetes que chegavam do castelo. Tentava negociar com o rei seus termos em troca do príncipe, mas Daniel parecia enrolar e pedia por uma reunião cara-a-cara, acusando o bandido de covardia, por não se revelar.

Quando isso acontecia, Metias ou Emerson levavam socos ou chutes raivosos do homem que sempre dizia as mesmas palavras ao lhes dar novos hematomas:

-Isso é pra vocês mostrarem ao seu reizinho quando retornarem. Se saírem daqui com vida.

No segundo dia, os prisioneiros ouviram uma conversa entre dois dos bandidos, que nervosos, sussurravam:

-... estão nos caçando.

-Soube que a própria rainha assumiu as buscas pelo príncipe!

-Agnar deveria aproveitar enquanto ainda os têm para extrair o máximo de dinheiro que conseguir do rei!

-Ele não está interessado em dinheiro, idiota! Mas deveria deixar de lado essas reformas que exige no reino, já que não está conseguindo ganhar nada...

"Que reformas eles querem no reino?", Metias se perguntou.

-...Ou deveria apenas matá-los logo de uma vez e enviar a cabeça deles para o castelo!

Com essa última frase, um medo súbito fez a espinha do príncipe estremecer e fez o comandante baixar a cabeça, sentindo-se inútil diante da situação. Eles precisavam escapar dali.

Quando Agnar, sentado em um banco na taverna, com um copo de whisky nas mãos, balbuciava algo à respeito do "rei inútil de bunda gorda que se recusava a baixar a cabeça orgulhosa mesmo quando a vida do próprio irmãozinho idiota estava em perigo", Metias resolveu agir.

-Meu irmão não fará nada que prejudique seu reino, sabe? Eu o conheço. Mesmo se mandar minha cabeça rolando pelo piso marmorizado do palácio. Ele vai sempre pensar no bem maior.

Mesmo sabendo que estava dizendo essas coisas apenas para irritar Agnar, no fundo o príncipe sabia que aquilo era verdade, e isso o machucava mais do que ele jamais admitiria. O irmão sempre colocaria o reino em prioridade, mesmo às custas da vida dele.

-Cale a boca, Alteza!- o velho gritou, saboreando a última palavra de maneira irônica.

Talvez esse seja o porquê de Daniel ser um governante tão bom, pensou Metias, Ele sabe distinguir as questões de Estado das questões pessoais. Mal sabia ele que o rei estava à beira de um colapso com a situação e que estava prestes a ceder às exigências dos sequestradores.

-Só estou dizendo a verdade, Agnar!- respondeu o príncipe em um tom igualmente irônico.

-Isso é o que veremos!- bradou o bandido.

Metias calou-se por um segundo, pensando em como responder a altura, logo uma ideia lhe surgiu:

-Sabe... Talvez sua incompetência seja tamanha, que suas exigências não sejam levadas a sério. Toda aquela história de sua morte forjada... Até que foi convincente, mas talvez fosse melhor levar suas habilidades ao teatro, e deixar Rato no comando. Ele me parece mais inteligente que você.

Agnar irritou-se e levantou de sua cadeira para desferir um chute no estômago de Metias, que recebeu o golpe de bom grado e escondeu sua dor, soltando uma gargalhada forçada.

-Está rindo do quê, imbecil? Quer que eu lhe arranque um dedo e o envie ao seu irmão? Vai que assim ele larga de ser tão inútil!

Quando percebeu que Metias ainda ia responder, Emerson tentou lhe impedir, lhe dando uma cotovelada com toda força que as cordas prendendo suas mão permitiam. Ignorando-o, o príncipe disse:

-Chute digno de risos... Sua força é proporcional a sua idade, velhote! 

Agnar fez menção de levantar-se para socar Metias, mas voltou a seu lugar, arrumando seu paletó caríssimo. O príncipe, percebendo que não teria mais a atenção do homem, cuspiu em sua direção, acertando seus sapatos bem encerados. Dando-se conta do ocorrido, o velho atirou seu copo de vidro na direção do prisioneiro, que abaixou a cabeça bem a tempo, fazendo o copo atingir a parede atrás dele, quebrando-se em dezenas de estilhaços afiados.

O líder saiu da sala logo em seguida, deixando sua máscara de bandido frio e calculista cair, vermelho de raiva, e xingando Metias de todos os nomes possíveis. O príncipe, por sua vez, parecia alegre, segurando orgulhosamente um caco de vidro, que lhe cortava a pele, nas mãos presas atrás de suas costas. Assim que ouviu os passos do homem se afastando, começou a cortar a corda que lhe prendia.

A História Não Contada do Príncipe MetiasOnde histórias criam vida. Descubra agora