Capítulo 3 - Quando um robô decide assistir a um filme de romance

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No sábado pela manhã, O.X estava praticando o hábito que tinha adquirido recentemente – sentar em frente a grande janela de vidro da sala e observar a movimentação na rua, que não era muita. Havia mais carros do que pedestres, pois a maioria das pessoas optava por caminhar pelos túneis subterrâneos para evitar a poluição. Ele estava agarrado ao disco de vinil, como sempre, e silenciosamente observava o movimento de lá para cá, enquanto eu fazia a lição de casa na mesa da sala. Desde o dia em que ele havia me chamado de pervertida, nosso relacionamento ficou um pouco menos conturbado e meu quarto um tanto mais limpo, o que eu só podia agradecer.

Tio Dumas havia deixado uma lista de frutas e verduras que ele queria que eu comprasse no supermercado da esquina, como sempre fazia. Nós – e a grande maioria das pessoas – fazíamos as compras pela internet e o supermercado entregava em casa, algo que era muito comum. Mas, tio Dumas sempre reclamava que o supermercado nem sempre mandava as melhores frutas e verduras e então era eu quem tinha que fazer esse trabalho.

– Ei O.X – disse e ele virou o rosto para me encarar – Quer ir comigo até o supermercado?

O garoto robô ficou em silêncio por alguns instantes, provavelmente procurando em seu sistema uma definição para "supermercado". Quando ele descobriu o que era, arregalou os olhos em excitação.

– Eu posso? Posso sair do apartamento? – ele levantou e saltitou como uma criança a qual se oferecia um doce.

– Não acho que seja um problema, não é como se muitas pessoas soubessem que você é um robô que devia ter sido descartado – respondi e tirei o boné que trazia na cabeça e coloquei na dele – Mas, por via das dúvidas, é melhor te disfarçar com isso.

O.X colocou as duas mãos no boné e ficou sentindo por algum tempo a sensação de ter algo diferente em sua cabeça. Era engraçado como em muitos casos ele parecia como uma criança pequena que estava descobrindo as coisas do mundo pela primeira vez.

Ele me acompanhou muito empolgado para fora do apartamento e olhava para os lados como se tudo ao nosso redor fosse feito de mágica, embora estivéssemos apenas saindo de um prédio velho. Assim que eu abri a porta da frente e ele sentiu o vento quente bater em seu rosto, um sorriso automático se formou em seus lábios, como se aquilo fosse a coisa mais incrível do mundo. Eu sentia saudade de ver o mundo daquela forma, principalmente porque a única coisa em que pensava naquele momento era que estava calor demais para andar do lado de fora e já sentia falta do ar condicionado.

Passamos por uma loja de roupas no caminho e O.X parou para observar os manequins na vitrine. A maioria das lojas costumava deixar a porta da frente fechada, já que os clientes costumavam entrar pelos túneis subterrâneos. A vida debaixo da terra era bastante ativa, com os túneis era possível ir para praticamente qualquer lugar, por isso não era comum que as pessoas entrassem pelo lado de fora, mas as vitrines ainda estavam lá, para andarilhos corajosos como eu.

– Isso é muito bonito – O.X apontou para um cachecol de lã vermelho com detalhes em dourado.

Olhei para onde ele apontava e meu primeiro pensamento foi de que as lojas já estavam investindo na moda outono-inverno mesmo que ainda fosse verão. O segundo pensamento foi que o cachecol custava os olhos da minha cara.

– É bonito, mas o preço é horrível – eu ri.

O.X me olhou confuso, coisas relacionadas a dinheiro provavelmente não faziam muito sentido para ele. Eu então segui caminhando e ele me acompanhou, seus olhos ainda fixos no cachecol até que o perdesse de vista.

O supermercado estava bem vazio como o esperado, exceto por alguns idosos que insistiam em fazer as compras pessoalmente, tão teimosos quanto meu tio. Peguei uma cesta e entreguei-a nas mãos de O.X, que ficou analisando o objeto por todos os lados enquanto eu nos direcionava para a parte das frutas e verduras. Chegando lá, comecei a procurar pelo que tio Dumas havia pedido, enquanto O.X encarava tudo como se eu o tivesse levado a um parque de diversões.

Projeto O.X: AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora