28 de Junho de 2117
Havia um enorme lago bem no centro da cidade e ao seu entorno uma larga pista para bicicletas ligava boa parte da cidade. Era verdade que naquela época do ano, sol escaldante de verão, poucas pessoas se atreviam a sair com suas bicicletas, principalmente porque as condições do ar não eram as melhores há uns tantos anos. Mas eu adorava sentir os raios de sol em meus braços, a brisa fresca que batia em meu rosto enquanto contornava o lago até um dos bairros mais chiques da cidade. Lá morava Daisie, uma das minhas melhores amigas da escola. As pessoas sempre se perguntavam como nós duas havíamos nos tornado amigas, afinal de contas éramos as garotas mais diferentes de toda a escola, e nós nunca tínhamos uma resposta concreta para tal questionamento.
Talvez fossem nossas diferenças que nos uniam?
Para exemplificar, Daisie era filha de médicos muito famosos e renomados, morava em uma cobertura com vista para o lago, sua família possuía três robôs ajudantes e suas férias de verão sempre eram em ilhas paradisíacas. Não obstante, ela era a típica loira bonita com um corpo sarado que tinha pelo menos uma fila de garotos ao seu redor. Já quanto a mim...
– Boa tarde, Sam! – senhor Teobaldo, que vendia peixes em uma banca perto do lago e que já me conhecia de tantas as vezes em que eu cruzava em frente a ele com minha bicicleta, acenou para mim enquanto eu parava no semáforo vermelho – Novamente fazendo o trajeto pelo lado de fora? O ar está bem ruim hoje.
Tossi, não sei se apenas porque ele falou aquilo ou se era porque o ar estava mesmo péssimo, mas assenti. Havia caminhos subterrâneos por toda a cidade e a maioria das pessoas optava por eles desde que a poluição se tornou um grande problema, mas eu gostava daquela terra e daquele sol mais do que tudo, mais do que os meus pulmões pudessem reclamar.
Por falar sobre mim... Havia uma música de hip hop tocando em meus fones de ouvido e eu fazia a dancinha enquanto esperava o semáforo abrir, sem a menor vergonha de estar pagando mico. Cantei o refrão em voz alta "GAROTA, VOCÊ ME DEIXA MALUCO, GAROTA VOCÊ ME DEIXA MALUCO, MAS EU GOSTO" e acenei para o motorista ao meu lado, que provavelmente achou que eu tinha algum problema.
Eu tinha vários, mas eu tentava ser feliz mesmo assim. Não como aquelas pessoas que são livros de autoajuda ambulantes que pregam a positividade, mas achava que a vida era curta demais para ficar seguindo um monte de regras de comportamento. Eu não era chique ou bonita como Daisie, e mesmo em 2117 as pessoas de pele alva ainda triunfavam sobre esse mundo. Como uma garota filha de mãe branca e pai preto, meu tom de pele ainda não era completamente aceito e eu me perguntava se algum dia o homem evoluiria o suficiente para deixar esse tipo de coisa de lado...
– Não acredito que os pombos fizeram cocô em você de novo!
Ouvi a voz inconfundível de Lola, outra grande amiga minha, e virei meu rosto para encará-la na esquina da rua, as mãos acenando em minha direção e um sorriso debochado no rosto. Baixei o olho até minha camiseta e vi o que tanto temia: um pombo tinha realmente feito cocô em mim e eu nem mesmo tinha reparado! O pior de tudo era que a mesma coisa tinha acontecido semana passada, será que era tipo um mau presságio ou algo assim?
– Deve ser sorte – Lola ajeitou os óculos no rosto e deu um tapinha em minhas costas com seu pouco mais de um metro e meio – Daisie pode te emprestar uma de suas blusas de marca, aliás.
– Da última vez que isso aconteceu, eu derrubei cereal nela e depois descobri que custava mil dólares – suspirei enquanto estacionava minha bicicleta – Mas espero que seja sorte mesmo, estou precisando.
Lola e eu caminhamos juntas até o edifício onde Daisie morava. Lola era minha amiga mais antiga, havíamos nos conhecido nos primeiros anos da escola e nossa amizade se manteve firme até então. Quando Daisie se juntou a nós, formamos um trio inseparável. Lola era descendente de japoneses e tudo que ela fazia era delicado e fofo, o que meus mais de um metro e setenta e pernas desengonçadas achavam a coisa mais adorável do mundo. Era engraçado porque quando nos conhecemos, nós duas éramos do mesmo tamanho, mas um dia eu continuei a crescer e ela simplesmente parou, e hoje eu sou como um poste e ela um chaveirinho. Nós nos bicamos dessa forma, apenas por diversão.
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Projeto O.X: Alma
FantasyEm 2117, os robôs são a mais alta tecnologia, sendo divididos em dois grupos: os ajudantes e os para relacionamento. Foi nesse contexto que o cientista Dumas Frondel criou O.X, seu humanoide mais impecável, absurdamente humano em todos os aspectos...