Capítulo 22 - O silêncio da humana

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Havia um relógio daqueles bem antigos na sala, do qual era possível ouvir seu ponteiro deslizando por entre os números. Isso é, se estivesse suficientemente silencioso. Minha mãe olhava para um ponto qualquer na sala enquanto eu encarava minhas mãos e minha mente se enchia mais e mais de dúvidas a cada movimento no ponteiro de segundos do relógio.

Quando meu pai descobriu que minha mãe o estava traindo, ela quis me levar junto para viver com ela, mas meu pai não permitiu. Ele até mesmo ameaçou se matar caso ela me tirasse dele. Então um dia ela entrou no nosso antigo apartamento no meio da noite e tentou me levar escondida, e foi assim que meu pai conseguiu uma restrição na justiça contra ela. Segundo minha mãe, com isso e mais uma porção de mentiras. O fato é que segundo a história dela, a justiça tomou o lado do meu pai e proibiu que ela se aproximasse de mim de todas as formas possíveis. Aquilo era... Um tanto difícil de aceitar.

– Samantha, eu não quero que você odeie o seu pai – ela disse por fim, depois do que me pareceram os minutos mais longos da minha vida – Ele fez o que fez por que amava você.

– De que adianta ter feito isso tudo para ficar comigo se no fim ele acabou em uma cama de hospital e eu fiquei sozinha? – respondi com amargura.

Minha mãe deu um longo suspiro antes de responder.

– Seu pai tinha muitos arrependimentos, Samantha. E ele não conseguiu viver com eles. Metade desses arrependimentos são por minha culpa.

– Por que você fez aquilo? – perguntei algo que sempre quis saber – Por que você o traiu?

Ela suspirou novamente. Aquele pelo visto era um dia de muitos suspiros.

– Eu era jovem e imprudente e não soube manejar direito a situação... Meu amor por seu pai havia acabado, mas eu não soube como dizer a ele.

– Então você assume que estava errada?

– Sim, eu estava errada.

Eu não esperava que ela fosse me dar aquele tipo de resposta. Na verdade, vim esperando uma porção de desculpas esfarrapadas que tentassem justificar o que ela tinha feito. Mas lá estava ela, sinceramente me dizendo que tinha estragado tudo. Pelo visto, minha mãe não tinha apenas amadurecido em suas feições, ela também era uma mulher mais madura agora e eu não estava esperando por nada disso.

– Eu não sabia que não podia me aproximar de você – falei, depois de um longo silêncio – Você acha que meu tio Dumas sabe sobre isso?

– Eu duvido – ela respondeu – Dumas me odeia como alguém que comprou todas as palavras ditas por seu irmão.

– Eu devia ir – falei e levantei do sofá – Apesar de tudo, não quero que você vá para a cadeia por causa disso.

Naquele momento, ela sorriu pela primeira vez desde que nos vimos. Pequenas rugas se formaram ao redor de seus olhos e eu pude notar que nosso jeito de sorrir era parecido.

– Espere, você estava certa. Eu vou te dar o dinheiro que você precisa, eu realmente te devo bem mais do que isso.

Mantive minhas feições firmes, mas por dentro senti um enorme alivio. Depois de tudo que ela tinha me dito, eu já nem estava mais contando com aquele dinheiro.

– Mas, tem algo que eu quero em troca – ela prosseguiu – Eu te dou o dinheiro e você promete jantar comigo uma vez por mês assim que fizer 18 anos.

Engoli em seco. Manter contato com ela não estava nos meus planos, mesmo que agora eu não a culpasse por absolutamente tudo de ruim da minha vida. Mas, boa parte ainda era culpa dela e eu não estava nem próxima de perdoá-la.

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