Capítulo 21 - Uma casa enorme e chá com gosto de sabão

930 107 17
                                    

O inverno estava se aproximando cada vez mais rápido, deixando um tapete de folhas secas espalhadas pelas ruas e o ambiente com aquela aparência acinzentada e deprimente da estação. Surpreendentemente, havia mais pessoas nas ruas agora do que no verão.

Tio Dumas parou no semáforo em uma esquina e eu fiquei admirando as casinhas decoradas com abóboras de Halloween e velas acesas dentro delas, várias pelos quintais e nas escadarias em frente às portas de entrada. O céu estava coberto de nuvens e garoava, o que deixava o dia com cara de noite. Bastante deprimente e solitário, eu diria.

Oxy tremeu no banco detrás do carro. Ele estava enrolado em um cobertor e seus olhos estavam fechados a maior parte do tempo. Não era porque ele estava com frio – porque robôs não sentiam frio – mas sim porque ele mal aguentava algumas horas sem dormir – ou entrar em modo de recarga, como você quiser chamar. Tio Dumas estava nos levando até a casa de Daisie naquele sábado pela manhã e não demorava mais do que vinte minutos de carro, mas Oxy já havia cochilado duas vezes. Diferente do que meu tio havia previsto, ele estava piorando. Não a sua parte robô, as peças e o sistema e tudo o mais continuavam iguais, mas tinha algo que eu sabia e que ele não fazia ideia: Oxy tinha uma alma. Ele tinha uma alma e essa alma estava exausta, estava doente e todas aquelas tremedeiras estavam acabando com ele. E aquela era mais uma razão pela qual eu devia falar com a minha mãe.

– Prometa que se ela disser uma única coisa que te faça sentir mal, você vai voltar pra casa no mesmo instante, está certo? – tio Dumas falou assim que dobrou a esquina do prédio onde Daisie morava.

– Eu prometo – respondi e um sorrisinho escapou de meus lábios. Sabia que meu tio se preocupava muito comigo.

– Se ela não quiser ajudar, vamos encontrar outra forma, não se preocupe – ele estacionou o carro e acariciou minha cabeça assim que parou de falar.

Tio Dumas e eu não éramos exatamente muito ligados. Quer dizer, nós morávamos juntos e ele tomou conta de mim quando meu pai foi para o hospital, mas nós não tínhamos uma relação próxima nem nada do tipo, então demonstrações de afeto eram bastante raras entre nós. Por isso, quando ele acariciou minha cabeça, eu fiquei realmente surpresa. Oxy ainda dormia no banco detrás quando eu agradeci a ele e abri a porta do carro para descer.

Daisie, Beethoven e Lola estavam parados no cordão da calçada, o que era bastante admirável já que não eram nem nove da manhã e eu esperava encontrar Daisie ainda rolando em seus lençóis. Quer dizer, a gente tinha combinado de nos encontrarmos nesse horário, mas eu sabia que ela sempre se atrasava. Pelo visto aquele era o primeiro milagre do dia.

– Ei, Sam – Lola foi a primeira a correr até mim, carregando um saquinho de papel – Fiz alguns biscoitos para te alegrar.

Peguei o saquinho em mãos e olhei para dentro dele. Lá estavam meus biscoitos favoritos, cobertos com açúcar e confeitos coloridos. Eu nem sabia ao certo o que dizer, não sabia se era por tudo o que havia acontecido entre nós naquele ano, por termos nos afastado por causa do Oxy, ou se era porque eu estava nervosa por encontrar minha mãe. Podia bem ser as duas coisas... Então apenas a abracei forte e agradeci e ela me abraçou de volta. Eu sentia tanta falta da nossa amizade.

– Como ele está? – Lola perguntou, seus olhos cheios de preocupação.

– Tio Dumas está tentando despertá-lo – respondi com um suspiro – Você pode ajudá-lo?

– É claro! – ela sorriu e correu em direção ao nosso carro.

Caminhei até Daisie e Beethoven, que estavam escorados na traseira do carro deles. Beethoven estava usando uma calça de couro bem – beeeeeem – apertada, que marcava praticamente tudo. Sua camisa branca estava com os botões do peitoral abertos e eu me perguntei como aquele robô podia se vestir escandaloso assim até mesmo antes das nove da manhã. Então olhei para Daisie e ela não estava lá muito diferente, com uma saia curta e suas botas de cano longo que iam até acima dos joelhos e uma blusa que expunha metade da barriga. Fiquei pensando se eles sabiam que não íamos a um desfile, mas me senti mal ao perceber que eu era a única de moletom.

Projeto O.X: AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora