Maven
Logo após aquele cara morrer abaixo de minha guarita e eu terminar meu turno, deitei para dormir.
Mas o problema é esse: conseguir dormir. Faz anos que não consigo sem remédios.
Dormir sem pesadelos, quero dizer.
O cara da guarita, os outros caras mortos que eu vi morrer por causa dos meus companheiros, os caras mortos que eu vi morrer por minha causa, os caras mortos que eram meus companheiros.
Todos veem até mim de noite, por mais que não sinta nada na hora em que alguém morre.
Meu irmão.
Ele vem quase toda noite, como para me culpar por não estar lá para salvá-lo, quando vieram vingar-se de mim, quando... Eu deveria estar lá, no seu aniversário.
Minha mãe.
Ela me vem com menos frequência. Mas quando vem é para me dilacerar. Nunca soube o que aconteceu com ela. Eu tinha oito anos, meu irmão, dez.
Toda noite.
Todos os dias.
Podem contar, eles virão para me assombrar, não importa o que eu faça, não importa o quão bem eu me sinta no dia.
Eles virão.
Nessa noite, desisto.
Resolvo correr, mas não aqui, nessa base fria e torturante.
Coloco uma calça de moletom que trouxe da minha antiga casa e que sempre levo para onde for, meus tênis e resolvo pedir permissão.
Um bom soldado que sou, é claro que eles me deixam ir.
Começo a correr, passo por uma rua onde se tem vista para o rio que corta a cidade e onde tem muitos pub's, eu passo pela ponte.
Em cada bar que passo há pelo menos um grupo de mulheres me olhando. Sorrio para algumas, acho que não perdi o charme do colegial.
Beleza cara, penso, você nem se lembra de como é abraçar uma mulher, imagina ficar com uma delas. Corro mais rápido, para fugir de olhares avaliadores. Fui para outra rua.
O cheiro de fumaça dos cigarros com a brisa do mar me trazia o ar de uma infância tranquila e frágil de muitos anos atrás.
Passo por algumas casas, todas estão com as luzes apagadas. Mas as ruas estão bem iluminadas, como sempre foram.
Deus.
Agora me lembrei dessa rua.
Eu já morei aqui. Com minha mãe, meu pai e meu irmão.
As lembranças vieram como um tiroteio. Parece que eu me esqueci, mas elas nunca estiveram tão vivas na minha mente.
Aqui eu tive uma família.
Aqui eu tive uma infância e tive amigos.
Aqui foi uma das últimas casas que minha mãe viveu.
Fico observando, aqui moram pessoas insensíveis, como eu, reflito, de forma idiota. É obvio que ainda deve ter alguém bom aqui.
Aqueles que têm uma cama confortável e que conseguem dormir sem ter consciência pesada.
Mas também aqueles que viram minha família ser destruída e não ajudaram em nada. Que ficaram falando mal de minha mãe. Ou que meu pai a matou. Bem na minha frente.
Fiquei na frente daquela casa no que pareciam horas, petrificado.
Na verdade, passou-se cinco minutos. Do nada, ouço passos rápidos, já está bem perto de mim.
Isso que dá ser um idiota sentimental, Maven, não se escuta seus instintos de soldado, mesmo quando eles estão apitando. Penso.
Então vejo uma garota esperneando e gritando, sendo agarrada por homens fortes. A moça parecia louca, mas espera.
Acho que conheço-a.
E ela é do meu passado tanto como essa rua.
E olha diretamente para mim quando discretamente joga um celular em uma fração de segundos, quando se soltou antes de ser engolida pela enorme casa atrás de si.
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Save Yourself
General FictionGwen está presa em seu quarto há semanas. Tudo começou com a morte de seu irmão, Michel, notícia na qual ela desconhece. Marine é uma garota Amish. Entre os dezesseis e dezoito anos, ela pode fazer o que quiser e seus pais não podem julgá-la, muito...