O começo da revolução

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"Essa obra é sobre as mulheres em si."

Bougainville treze de Novembro 1997.

A escuridão de uma tempestade tomava o céu aquela noite.

A área afastada antes de chegar na fábrica era uma grande mata. Uma imensa estrada de terra cercada por árvores.

Os últimos postes de energia elétrica ficaram ao longe.

Ele seguia com a água escorrendo de capa chuva preta enquanto o cavalo marchava lentamente, como se respeitasse o luto do cadáver que carregara.

Um semblante de carrasco que sabia dentro de si que era muito menos que isso.

Era apenas marionete em um teatro diabólico.

Ao contrário dos carrascos, havia sido morto por dentro, ferido em seu mais valioso e destituído de sua dignidade.

Olhava o saco de linhagem que batia em suas costas aos passos do cavalo.

Carregava uma etiqueta escrito NV8.

O que significaria aquela sigla ele não tinha idéia.

Mas aquele era seu último, a parte mais deplorável acabaria ali.

Uma pequena lanterna iluminava o caminho.

Mas conhecendo o submundo daquele lugar o fez pensar que a falta de energia era apenas uma das consequências que a pequena cidade pagava por estar parada no tempo.

E era mesmo impossível de se enxergar.

Mas... Chegando próximo, aos poucos um luminar de gotículas parecendo diamantes, começavam a surgir como um borrão que vai ficando mais nítido a cada passo.

Eram os holofotes da fábrica.

Um neon tão potente que as gotas d'água reluziam mesmo com o temporal.

Mas as vezes tons belos e misteriosos tem um q de tragédia. E era tudo que Marque não queria. Queria recuperar seu filho, fugir dali.

Suas costas doiam a medida que o cavalo marchava, lenta e discretamente, sobre poças de lama, que eram reservados a quem não pudesse ter a dignidade de andar na estrada.

Ele sabia que jamais poderia fazer o que tinha feito sob a luz de holofotes, e no fundo também não sabia mais se tinha ou não dignidade.

"O importante é encontrar meu filho"

Mesmo sem poder iluminar seus passos, os holofotes o guiavam como faróis ao mar.

Principalmente pra quem não tinha o hábito de caminhar por aquelas bandas.

" mais alguns metros e vou ver meu filho a noite"

Era a última chance de Marque, o sequestrador havia sido bem claro nas últimas instruções.

"Só mais essa encomenda"

Ele chegou a entrada da fábrica, um homem o mandou descer com o saco de linhagem que carregava as costas.

A chuva o deixava ainda mais pesado que o normal.

Como combinado acenou com os punhos cerrados e teve a passagem liberada.

Enquanto amarrava o cavalo o desconhecido se retirava para o interior da fábrica.

Deixou preso próximo ao portão para que pudesse vê-lo mesmo enquanto estivesse do lado de dentro, e foi entrando com cuidado.

A cada passo que dava observava que o único ruído naquele universo de silêncio, era o barulho da água martelando a estrutura metálica que cobria o grande galpão.

O som daqueles socos d'água o mantinham acesso, como se tudo ali estivesse sob seu radar.

Depois de semanas sombrias de choro e desespero pelo desaparecimento do filho, agora teria sua recompensa e fugiria dali.

Enquanto vivessem em Bougainville eles sim estariam sob o radar da Rede.

Era difícil achar um meio de escapar dela, era como se cidade fosse uma cachoeira, e a Rede a grande fonte.

Continuou até chegar o ponto onde ajeitou o saco de linhagem que descansava ao ombro, passou o crachá que tinha no bolso e deixou para trás o primeiro setor em direção a caldeira.

Sabia com quem estava lidando, sabia o que poderia ter naquele saco velho de linhagem, seu olfato já havia se habituado ao odor dos cadáveres.

Mas carregá-los era a última esperança de ver seu filho.

Seguiu devagar até o próximo setor onde o som da chuva tornou-se insurdecedor, um temporal metálico e o chão de cimento áspero e frio davam aquela sensação inexplicável, mas que o pedia pressa pra sair dali.

Continuou caminhando vagarosamente até que olhou para o lado de fora e percebeu que pequena sombra do cavalo não estava lá, deu lugar a um homem com uma arma na mão.

Marque pensou em correr em direção a caldeira na intenção de se esconder, olhou para os lados pra ver se encontrava alguma coisa que pudesse servir com arma.

Mas quando soltou o saco de linhagem ao chão, seu coração quase parou.

Seus pensamentos que quase estavam em pânico entraram num pequeno transe.

O saco ao cair se abriu ao meio.

Como um fecho que revelasse um segredo cruel.

O corpo que estava dentro, manchado, com marcas de sangue coagulado praticamente irreconhecível, mas não para ele.

Reconheceria seu filho de qualquer forma.

O algoz cumpriu a promessa de entregá-lo a criança.

Naquele momento não resistiu ao instinto paterno de abraçar o filho mesmo ali, morto.

Olhou o que restara das roupas do pequeno, chorou o peso de tudo de ruim que fez numa esperança maligna.

Lembrou do homem com a arma na mão e quando foi se levantar sentiu um estalo abafado em sua nuca.

Sentiu o peito sobre o chão gelado, pensou no cavalo e no filho que haviam desaparecido.

Desta vez percebeu que a partir de agora estaria desaparecido também.

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