A testemunha

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Três dias após a morte do tio  Davi organizava a mercearia mais em busca de pistas do que propriamente do que com o intuito de limpá-la e organizá-la.

Aquele ar de fim de tarde, a casa e a venda vazias estavam muito diferentes.

Antes era o bar dos amigos, crianças buscavam algum alimento para o jantar, anotando na caderneta dos pais, eram tempos de outra alegria.

Mas agora não.

Os amigos ja não tinham o que festejar, as familias por mais que sua tia não os negasse. Não tinham mais a generosidade de seu tio Mauricio.

Era um luto insuportável.

Ela ainda estava muito abalada pela morte do marido e Davi precisa a todo custo se manter forte e tentar tocar a vida, sua consciência não o deixava em paz, não poderia sequer imaginar suas vidas voltando ao normal e o assassino solto.

Quando estava quase fechando, escutou um barulho de passos na entrada do armazém, pegou o antigo revólver do tio, uma Glock Taurus, olhou a munição e arma e ainda estava carregada.

O final da tarde deixava apenas uma pequena sombra em frente ao balcão, aquela meia luz, encurvou o corpo para não ficar totalmente exposto em meio às prateleiras e parou um instante fitando pra ver se reconhecia a pessoa.

- Boa tarde quem é? Disse sem perceber gostas de suor se formando em sua testa e mãos.

- Sou eu Davi, dona Carmem.

Dona Carmem era uma típica Bougaviliana, nunca tinha saído da cidade, casou aos 15 anos com o senhor Edmundo Groes, que todos chamavam de Bigode.

Usava saias tão longas que quase se arrastavam no chão, não teve filhos, as pessoas mais maldosas dizem que ela não quis engravidar para ter mais tempo para cuidar da vida dos outros.

Mas o que poucos sabem é que a coitada quando mais nova perdeu três filhos depois do parto, um deles nem conseguiu enterrar.

Bougainville é muito burocrática quando morre alguma criança, seu tio sempre repreendia quando alguém falava mal dela.

"Vocês não sabem o que a pessoa já passou!

Mas a verdade é que em questão de informação era previlegiada, sabia tudo de todos e não tinha nenhum pudor de comentar.

Ele foi até o balcão com o rosto corando de alívio e um pouco de vergonha.

  Na verdade estava menos envergonhado daquela senhora do que de si mesmo, por imaginar que poderia ser o assassino do seu tio e invés de feliz pela oportunidade de vingá-lo ficou coberto de medo.

-Desculpe dona Carmem eu não vi que era a senhora, falou guardando a Glock dessa vez na cintura.

Enquanto estivesse sozinho aquele seria o lugar dela apartir de agora.

- Eu entendo Davi mas não deixe isso tudo transformar você em uma coisa que não é, disse ela entregando a sacola.

- Claro dona Carmen, falou pesando a linguiça defumada que ela comprava quase todos os dias, sempre achou que fosse apenas para sair de casa pois o marido dela era um homem bem severo.

- Davi seu tio era um homem muito ingênuo e bom, isso foi fatal, ela se aproveitou disso para atacá-lo, você é igual a ele, cuidado, mas não fique se envenando contra o mundo filho.

Ele então tomou um susto que quase deixou a linguiça com as sacolas e tudo cair no chão.

- O que a senhora quer dizer com ela, era uma mulher? A senhora viu ou ouviu alguma coisa?

Dona Carmem assumiu a postura de espanto de quem sem querer andou falando demais, foi juntando as sacolas aos braços rapidamente.

- Olha meu filho, quando eu disse ela estava me referindo a pessoa que fez essa barbárie, agora se me dá licença.

Ele tinha procurado pistas a tarde inteira pelas prateleiras e gavetas em busca de alguma coisa, agora que tinha aparecido uma ele não iria desistir tão fácil

- Dona Carmem, tenho certeza que a senhora se conversasse com o delegado derepente poderia se lembrar de alguma coisa útil para investigação.

Ela se virou com uma expressão realmente assustada.

- Delegado meu filho, meu marido me mata se souber que andei me intrometendo nessa história, se o delegado me perguntar alguma coisa direi que não sei de nada.

Disse ela saindo com uma rapidez que jamais tinha visto naquela mulher.

- ÁH, A ÚNICA COISA QUE DIREI AO DELEGADO É QUE O SENHOR ANDA ATENDENDO OS FREGUESES COM UM REVOLVER NA CINTURA, ENTÃO POR FAVOR DAVI NÃO ME META NISSO.

Falou já ao gritos já andando na rua.

Pela reação dela com certeza saberia de alguma coisa.

Ele olhou o relógio, estava escurecendo mas ainda eram 18:30, fechou tudo com aquela pressa, entrou no velho Jeep, colocou a arma no porta luvas e arrancou rumo a cidade.

Mesmo que depois o oportunasse pela arma, precisava fazer uma visita ao delegado.

Revolução ou CriseOnde histórias criam vida. Descubra agora