As eleições

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Após sair da delegacia, Davi caminhava procurando o sentido daquilo tudo.

O sol batendo em seu rosto como se o lembrasse que não poderia fugir da realidade.

Como gostaria, mas não.

Ao chegar se encontrava tão ansioso a respeito da conversa que teria, com alguém que pudesse oferecer respostas que não tinha naquele momento, que sequer percebeu que as pessoas os espiavam da rua.

Olhos os vasculhavam em busca de algum sinal que revelasse ou corrobarrase com a versão popular. Com o disse me disse.

Ao sair percebeu várias pessoas transitando e conversando sob bochichos.

Então ajeitou a velha jaqueta jeans surrada enquanto recompunha a postura de alguém que não tinha nada a temer.

Mas ao mesmo tempo não desejava encarar a todos naquele momento, anciava por respostas, mas não viriam de curiosos e pêsames, apenas o atrasariam ainda mais, seja o for que lhe esperava.

Conferiu o relógio e antes de dar dois passos um conhecido lhe abortou.

Se tratava de Rodolfo, um antigo amigo de escola, mas estava diferente.

O jovem moleque brincalhão se converteu em um sujeito introvertido, indeciso sobre as palavras.

Davi se perguntou se eram condolências ou algo mais.

- Você por aqui Davi _ disse ele com as mãos nos bolsos.

Não chegou o acotovelando como sempre quando sem escontravam na quadra.

Nem sequer o abraçou.

Apenas permaneceu com as mãos nos bolsos.

Davi o estudava, mas é claro que sabia sobre seu tio, a cidade inteira só falava disso.

Mas não, ele permaneceu ali com as mãos nos bolsos.

Um estranho, se Davi não sabia por onde começar,  agora teve a ideia exata de que não poderia confiar em ninguém ali.

O rapaz permaneceu estático e apreensivo, não queria notadamente estar alí.

O medo de se envolver não permitia condolências explicitas.

Como se tudo não passasse de uma encenação, uma realidade artificial.

Quando Davi finalmente se despediu ele sem nenhuma resistência seguiu o seu caminho, como se tivesse escutado a resposta certa.

Ao se guiar para seu destino o sol bateu em seu rosto novamente.

  O lembrando que não daria para escapar daquele mundo.

Davi instantaneamente colocou a mão para proteger o rosto, por entre os dedos, aos poucos aquele claro tomava forma.

Envolta de patriarcas, estava ela.

Então apenas seguiu seu rumo, com a felicidade de quem sabe quem está no caminho.

Caminhando lentamente não conseguiu deixar de perceber o quanto a rua estava lotada.

E não pelo homem que perdeu a vida, e sim por homens que não queriam perder o poder.

Bandeirolas ao estilo festa junina infeitavam as ruas enquanto o prefeito Nadir conversava com o velho padre,

Ao se aproximar percebeu que tanto a decoração quanto os dois homens deixavam bem explícito que caso o atual prefeito vencesse, a cidade não mudaria nada.

Davi pensou que passaria despercebido quando uma senhora o abraçou de repente.

Ela colocou a mãos em seu rosto e deu um sorriso doce que ele sem saber o porquê retribuiu.

_ Você se parece com ele__ disse com a voz embargada.

Davi observava a sinceridade triste no olhar dela, sabia que estava falando do seu tio.

Nem todas as pessoas se calam por medo.

Aos poucos começou a se lembrar, mas não era a mesma mulher. Suas memórias se tratavam de uma senhora aos risos, tomando cerveja e comendo coxinhas de frango, exibidas na velha estufa.

Mas não, estava abatida parecia dez anos mais velha, ele não era o único de luto por Maurício alí. 

Isso sim o reconfortou.

Quando se despediu mais uma vez voltando o olhar para o caminho, ela já estava lá.

Alguns homens falavam com Davi.

Mas ele simplesmente não os ouvia, pareciam mímicas labiais.

Estavam estão encantado como se a tivesse visto pela primeira vez.

Aparentemente todos os amores são assim.

Estava numa calça jeans e uma camisa preta do Nirvana, a simplicidade expunha ainda mais a beleza, principalmente para um homem apaixonado.

Enquanto voltava a si, depois de ter decorado cada sarda no rosto da garota.

Mas se ele achou as condolências contidas uma encenação, sequer poderia imaginar o que ainda estaria por vir.

Que a cidade estava diferente era obvio, o prefeito ao vê-lo caminhou até ele com o padre e Vitória.

Um politiqueiro não poderia ver um abraço sincero daquela senhora, sem pegar um gancho.

Seria uma ótimo oportunidade.

Enquanto o jovem se desvaidecia de encantos por sua filha, o prefeito se aproximou passando os braços por seu ombro.

Enquanto o padre lhe dirigia a palavra.

" - Davi meu filho, venha aqui para eu lhe dar a benção."

Dar a benção significava dar conselhos, na visão do padre.

- Muitas coisas estão acontecendo meu filho, o satanás quer testá-lo, ele gosta de se atrever com homens bons, seja forte.

- Homens bons como meu tio?

- Sim filho, homens bons como seu tio.

Disse ele com aquela voz doce de um homem de Deus e de idade.

- Desculpe padre mas o Satanás não enfiou um punhal no meu tio.

- Filho, ele testou seu tio e agora está testando você, sei que o delegado o vê como suspeito mas eu sei que você é inocente.

Davi olhou para o padre, para Vitória e disse se despedindo.

- Eu sou inocente padre, vou descobrir quem fez isso com meu tio e acho que as vezes até o Satanás tem direito de ser inocente.

Quando ia saindo se assustou com o braço em seus ombros, era o prefeito Nadir.

-Amigos de Bouganvile, esse jovem, filho de nossa terra teve a família assolada pela violência, uma violência antes nunca vista por nossas bandas, diante disso eu resolvi me sacrificar por mais quatro anos, e prometo devolver a tranquilidade que sempre foi a marca da nossa cidade, para que os homens de bem possam dormir sossegados.

Ele nunca tinha ido em um circo, mas agora Davi tinha noção exata de como funcionava.

   O fato do que aconteceu com seu tio ter sido usado como campanha eleitoral o despertou uma raiva insana, mas precisava voltar para o enterro e sair dali.

Acenou com a cabeça para os dois homens e foi em direção a estrada para casa, a uns 50 metros olhou para trás para ver se ainda falavam dele, quando percebeu o olhar de Vitória fixo no seu.

Vitória, o prefeito, as eleições, Bouganvile, tudo estava diferente.

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