A Cidade de Bouganvile

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O sol ainda estava tímido, o pneu da bicicleta escolhia os cantos mais secos para passar, mas ainda era o melhor meio de locomoção.

Um cãozinho cor de caramelo seguia viagem tranquilo, repousado em um cesto na garupa.

Ainda eram seis da manhã mas Davi já estava a caminho do armazém, a cada curva pedalada percebia como a tempestade da noite anterior tinha sido forte.

Lama e mais lama.

Foi a mais pesada dos últimos tempos, porém a cidade também não era a mesma dos últimos tempos, não era mesmo.

Era um turbilhão de movimentos, desaparecimentos misteriosos e sentimentos de revolução em ebulição.

Chegando a venda desceu da bicicleta e a deixou na entrada, limpou a sola do tênis antes de entrar.

O cãozinho ao descer procurou um canto na entrada e se deitou calmamente.

- Benção tio, disse observando o quão cedo aquele homem havia se levantado.

Mesmo com a chuva forte tanto a entrada quanto o armazém estavam incrivelmente limpos.

- Alguém andou falando de você, disse sorrindo e bagunçando seus cabelos, falando de Vitória é claro, seu grande amor platônico.

Bouganville era uma cidade relativamente pequena, cheia de tradicionalismos, em meados de 1997 estava muito diferente.

As garotas que se formavam iam a procura de um bom partido, a cidade era de maioria absoluta feminina, o que tornava a disputa ainda mais acirrada.

Sempre haveria uma bela jovem disponível.

Mas esse ano as coisas não estavam como sempre, Davi via isso claramente nos encontros entre os jovens.

E era nítido que a ascenção da fábrica estava mudando essa perspectiva principalmente nas mulheres.

A nova direção não apenas confeccionava colchas de cama sem graça, agora faziam modelos com estampas, roupas finas, as garotas pensavam em moda, queriam ser estilistas, algumas queriam abrir suas próprias lojas, empreender, revender...

E não era apenas a tendência natural das mulheres pelas modas e looks, muitas sequer se ligavam nisso.

Pareciam pessoas num quarto escuro olhando a luz pela primeira vez, todas abraçando a idéia da fábrica como se fosse a generosa janela.

Os homens aos poucos tiveram que se acostumar a não ser o centro da atenção delas.

  Vitória por sua vez seguiu outro rumo, era veterinária.

" E filha do prefeito" lembrava a memória de Davi.

Ele era um jovem homem de 25 anos, tinha um perfil atlético pelo trabalho no aaras, o que facilitava com as meninas.

Era um cara comum, usava calça jeans e camisa preta, gostava de música sertaneja e Legião Urbana.

Ficou até popular no ano anterior quando salvou seu cãozinho de uma jibóia de 5 metros, segundo contava ele nos bares.

Mesmo sabendo que cobra era bem menor que isso e que possivelmente o cãozinho conseguiria escapar por conta própria, já que a jibóia em questão também era um filhote.

Ele caminhava pelo pequeno armazém mais no intuído de fugir da conversa do que verificar se Maurício precisava dele para alguma coisa.

Um método que usava desde criança quando queria fugir de algum assunto.

Mas aquele homem o conhecera desde sempre, sabia de cór todas suas reações, seus hábitos e manias.

Não atoa era seu melhor amigo.

- Eu imagino quem seja tio, mas duvido que ela tenha perguntado de mim.

Mesmo sem estar pensando no assunto, pois apesar dos amores pessoais se focava no drama do amigo,

Mas seu tio se manteve inerte, como se fizesse questão daquela conversa e fez com Davi o observasse.

Aquele homem simples, usando uma calça social larga junto com um botina Zebu. A camisa com tons diferentes de azul  num xadrez típico, demonstravam a paixão de alguém humilde. Que saiu cedo das roças de Minas Gerais.

A preferência pelo azul denunciava o time de coração.

Mas aquele rosto queimado de sol tinham uma ternura no olhar quando falava de Vitória, que pareciam implorar a ele que o levasse a sério.

E ele o fez, aos poucos suas lembranças com Maurício se misturaram as de Vitória.

Formaturas e festinhas improvisadas, eles sempre estavam lá, por isso conhecia bem seus encantos por ela.

Mas nada mais era como antes, sua memória o lembrava. Aquelas lembranças juvenis não cabiam mais, depois que Vitória foi estudar fora a conexão dos dois aos poucos se esvaiu.

- Ela sempre pergunta Davi, acho que compra ração aqui só pra saber de você.

- Sei, disse ele corando o rosto, vou deixar o cachorro amarrado aqui enquanto vou a cidade.

Disse procurando uma corda e uma coleira.

- Coloque ele lá pra não latir os clientes, deixe que eu ponho ração para ele, e me faça uma promessa Davi, da próxima vez que a encontrar vá falar com ela, chame-a pra sair, vocês vão se dar bem.

- Tá tio, falou se despedindo, o senhor sabe que não faço promessas, mas vou pensar.

Mauricio era um homem bom, Davi sempre foi grato pelo quanto o ajudou  com a morte da mãe.
 
Sempre dizia que o dinheiro não era tudo na vida.

Ele ficava sem saber se dizia pra tentar o encorajar com Vitória ou uma desculpa por vender comida fiado pra pessoas que ele sabia que não iriam poder pagar.

Deixou o cãozinho como combinado e seguiu para cidade.

Por sorte as ruas até Bougainville estavam mais transitáveis. Mas enquanto os pés trabalhavam ao pedal os pensamentos se voltavam para o amigo.

Infelizmente não poderia fazer mais, a não ser tomar conta de sua oficina enquanto ela procurava pelo garoto.

   Já o ajudava quando ia buscar peças na capital, mas como tudo a situação agora era diferente e  Marque não dava notícias desde o desaparecimento.

Lembrava do semblante de desespero do amigo, saíram juntos em busca da criança noites a fio e nada.

"Preciso encontrar meu filho"

Se lembrava de suas últimas palavras..

Pelo caminho reparou uma movimentação incomum.

  A muito tempo não via tantas pessoas trabalhando no centro da cidade, homens andavam de um lado para o outro com tábuas e mais tábuas nos ombros.

Barbantes davam voltas nos postes como serpentes se enrolando em troncos, faixas ostentavam letras maiúsculas anunciando a candidatura do prefeito a reeleição.

Pessoas entregavam santinhos e abordavam os pedestres com conversas ao pé do ouvido.

O prefeito estava com seu habitual terno dando ordens a alguém numa sombra próxima ao coreto.

Damain seu filho mais velho acenou para Davi que retribuiu, Vitória o deu apenas um aceno com a cabeça.

Damian era o queridinho das garotas, um rapaz bonito de traços finos e extremamente simpático, do tipo que mesmo os homens gostam como amigo.

Era o mais velho de três irmãos, ainda tinha um caçula Derick além de Vitória.

Muitos não percebiam se tratar do candidato mais jovem a vice da história.

Apesar de não ter nem formado sequer o ensino básico.

Era filho do prefeito e sucessor do partido (que só tinha pessoas da mesm0a familha).

Para Davi não seria concorrência uma vez que era irmão de Vitória, e possivelmente ela nunca o daria condição.

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