Chegando as redondezas de onde seu amigo morava, percebia a tensão no ar.
Conferiu o relógio, eram pouco mais de duas e meia da tarde.
Resolveu seguir empurrando a bicicleta no intuito de ter mais notícias.
Uma mãe abraçou a filha pequena ao vê-lo, os boatos sobre o sumiço do garoto passavam de boca em boca.
Uma apreensão nas pessoas pensando que ele poderia ter alguma notícia, mas não tinha.
Apesar da aparente preocupação todos diziam não ter visto nada.
Davi achou estranho a oficina completamente fechada e com uma placa de aluga-se.
"Será que Marque se mudou para outra cidade de repente sem avisar ninguém? Improvável"
Ao parar em frente a casa do chamou, bateu palmas e nada. Pensou em perguntar aos vizinhos mas antes de sequer se aproximar todos haviam fechado as portas.
A casa estava completamente fechada, mas precisava de alguma resposta.
Precisaria se arriscar.
Posicionou a bicicleta no muro, se apoiou e pulou.
Já na garagem a antiga e empoeirada Brasília, denunciava que algum tempo ele não iria alí.
O que significava também que ele não foi comprar peças.
Não faria isso a cavalo e não se mudaria deixando o carro pra trás.
Conferiu a porta de entrada estava trancada, enquanto rodeava a casa pra ter acesso aos fundos, observava pela janela que tudo meio organizado.
Como se alguém estivesse no seu dia a dia e precisasse sair sem levar nada.
Deixando para trás apenas a bagunça do cotidiano, como se esperasse voltar para arrumar.
Pela janela da cozinha ele observou o coador de café usado em cima da pia, enquanto as formas o cobriam, ao lado de uma caneca.
Davi forçou a porta da cozinha, mas ela estava totalmente trancada, pensou em arrombála mas não.
Isso já seria um crime, então resolveu pular o muro de volta.
A Brasília ali era sinal que o amigo esperava voltar, já era uma grande resposta.
Quando desceu a calçada novamente, a rua continuava vazia, mas escutou claramente os sons das cortinas e janelas se fechando.
Com certeza não estava sozinho, não com vizinhos curiosos o vigiando.
Aos poucos fazia o caminho de volta.
As mesmas pessoas que o abordaram quando chegou agora entravam em suas casas e fechavam suas portas ao vê-lo.
Pelo visto ninguém queria se intrometer naquela história. O instinto de se proteger sempre sobrepõe ao de ajudar.
E assim foi pelando de volta para casa.
Mas... A movimentação intensa de poucas horas anteriores passou como um sopro de vento.
As 18 horas o centro da cidade estava vazio, o comício do dia seguinte já estava quase pronto, mas a mudança brusca no movimento pareceu estranha.
As mesmas tábuas que estavam sendo carregadas com destreza e afinco agora repousavam empilhadas uma sobre as outras de qualquer maneira, muitas faixas pendiam dos postes e barbantes jogados ao chão em rolos.
Mesmo para Bougainville não ter nenhum carro estacionado na praça principal da cidade era estranho.
Não havia comércio algum aberto.
Como se a cidade tinha sido completamente evacuada, mas um mau precentimento que Davi chamava de instinto o dizia que alguma coisa muito ruim havia acontecido.
Pegando a velha estrada a caminho do armazém do tio lembrou do dia que seu cachorro foi pego pela cobra.
Estava jogando bola com alguns colegas e o animal ficava do lado de fora e sempre ia onde a bola caia, tinha uma mata perto que passava um riachinho.
Bougainville tem vários deles.
Mas de repente teve uma sensação estranha, olhou pro lado do Campinho e não o viu, percebeu na hora que algo estava errado.
Não sabia porque mas estava com a mesma sensação.
Estava tão fixado nesse pensamento que não percebeu que haviam carros passando a mil por hora, todos na mesma direção, ao que parecia as pessoas não tinham ido embora, apenas foram para outro lugar.
Ao chegar viu uma porção de carros a frente do armazém, saiu correndo como se sentisse uma urgência do nada, sabia que alguma coisa estava errada.
Procurou pelo cãozinho que deveria estar do lado de fora e nem sinal.
Apenas a corda que tinha sido desamarrada pela coleira.
Torceu para que ele estivesse com seu tio, algumas pessoas que se escoravam na mesa de sinuca se calaram-se quando o viram.
Olhou rapidamenteo balcão vazio e foi procurá -lo nos fundos.Mas quando abriu as portas que davam acesso ao terreno onde ficava o depósito, se sentiu como um ator abrindo as cortinas de um grande teatro.
Uma pequena multidão se aglomerava do lado de dentro, rostos se viraram para olhá-lo como se fosse uma coreografia.
- Davi, chorava sua tia o abraçando e chorando.
Mesmo sem saber porquê seguiu a passos firmes até o aglomerado que as pessoas estavam fazendo.
Ao chegar perto, a roda foi se abrindo como as portas de um shopping que se escancaram ao perceber o movimento.
Olhou o corpo ensaguentado, com um corte no pescoço e percebeu o que pior havia acontecido.
Seu tio estava morto.
Pensou na conversa que tiveram de manhã, seu melhor amigo estava assassinado, e ele nem imaginava nas implicações disso na sua vida.
Porém diante da situação jurou e deu sua palavra que quem quer que fosse o responsável não ficaria impune.
E essa era primeira vez na vida que Davi uma promessa.
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Revolução ou Crise
Ficțiune generalăUma pequena cidade tradicional dos anos 90 em revolução. Desaparecimentos misteriosos em sequência. Uma grande conspiração. Marta enfrentará uma batalha política num jogo de assassinos calculistas, mas também não estará sozinha. A cidade é de m...