Aos poucos o escuro começou a tomar um tom de vermelho e seus olhos ao abrir tiveram que conviver com o sangue que escorria do supercílio.
Parecia uma daquelas espadas nos filmes de Star Wars, mas era apenas a luz da lanterna do delegado iluminando, querendo encontrá-lo lá em baixo.
Não sabia quanto tempo havia se passado, ainda estava escuro e o perseguidor estava sem os óculos pelo visto.
O braço direito estava muito machucado, prometeu a si mesmo não olhá-lo mais pra não gritar de dor, sua perna estava completamente ferida, mas ainda conseguiria andar, conferiu o relógio e pelo que se lembra não teriam passado dez minutos, pouco tempo mas o suficiente para o delegado tê-lo encontrado.
Tinha todo o paredão pela frente e pela direção onde a lanterna iluminava, o delegado acreditava que ele estava longe, conteve um gemido de dor pelo braço enquanto tentava se levantar, escorou na imensa parede de terra e começou a se rastejar lentamente.
Num instante a luz da lanterna que vasculhava outro canto focou diretamente no seu rosto, não entendia, tinha levantado sem fazer barulho pelo que parecia, mas mesmo assim a luz o fitava, pensou que levaria um tiro mas aquilo não era uma mira.
Era apenas uma lanterna e o delegado não o acertaria dali, esperou para ver a reação do homem...Os segundos se passaram enquanto os dois ficaram ali, se encarando através da luz da lanterna.
Enquanto encarava o olhar severo do delegado, se lembrou do bilhete, o procurou no bolso, sem desviar o olhar, mas o papel não estava mais lá, provavelmente o perdeu na fuga, a adrenalina deixou seu corpo em alerta novamente
O homem fez sinal de positivo com a cabeça como se tivesse chegado a hora de resolverem aquilo definitivamente.
Então Davi recomeçou a andar, dessa vez mais rápido já que não precisava mais se esconder.
A luz não correu em sua direção nem se ouviram tiros, apenas estranhamente retornou para onde estava iluminando antes dele se levantar, e Davi entendeu.
"O delegado não estava me procurando, estava procurando um jeito de descer"
Acelerou ainda mais o passo, se é que era possível, a medida que se afastava via a lanterna descendo aos poucos o morro mortal.
Agradeceu por não ter disparado todas as balas porque agora seria muito difícil recarregar com uma mão só, algumas árvores caidas escoradas no paredão atrapalhavam sua caminhada, mas pular troncos com o braço naquele estado era um esforço enorme.Olhou para localizar a posição da lanterna e viu que já estava quase no meio da descida, era quase impossível, mas quando ele terminasse ficaria fácil acompanhá-lo.
Atrás do último galho Davi viu uma fissura no grande paredão, comparou seu tamanho físico se daria para passar, viu que seria difícil, olhou para frente e só havia breu, aquela fenda seria sua única chance.
Enquanto se esgueirava fenda adentro Davi sentia cada grama de terra pressionando seu braço que sangrava estancado naturalmente pela natureza, arrancou os sapatos que estavam ocupando mais espaço que ele tinha, muitas vezes arrastava-se, mas não tinha tanto tempo para perícias.
O delegado já devia estar terminando a descida, sentia a tensão e os passos pesados dele no chão, mas iria conseguir, estava quase no final faltavam alguns centímetros.
A respiração...
Escutava a respiração alta do delegado à aquela altura, conseguiu passar a primeira parte do corpo e estava quase tirando o braço quando viu o rosto do homem do outro lado da fenda, ele esticou a arma apontando e atirou.
Davi conseguiu terminar a fuga da fenda recolhendo o braço rápidamente mas não o suficiente para evitar ser baleado outra vez, mais um tiro de raspão, deitou do outro lado do paredão gritando de dor enquanto o braço sangrava ainda mais.
Percebeu a consciência se esvaindo novamente, a cabeça ficando pesada e se esforçou para ficar acordado.
Alguns segundos se passaram e ele começou a escutar um gemido estranho, alguém que não conseguia se mexer resmungava alguma coisa dentro da fenda.
Um caçador implacável não desistiria enquanto não abatesse a presa pelo visto, mas dessa vez, cometeu um erro fatal.
Davi viu o delegado entalado dentro da fenda, o fato de ser um homem muito maior que ele não era mais uma vantagem, não ali.
Agora entendia o porquê o delegado não ter interrogado dona Carmen, possivelmente ele mesmo a matou.
Chegou hora de ter as respostas que o levaram até ali.
Levantou-se com dificuldade, o braço ainda lhe doía muito, olhou aos poucos para não ser surpreendido, mas o homem estava ali, vivo, acordado e condenado, preso entre os blocos gigantes de terra, e sua arma jogada ao chão sem que ele pudesse alcançá-la.
- Senhor Abraão, parece que as coisas ficaram feias para nós dois, o que acha.
- Não estou enterrado em pé, delegado.
O homem preso deu uma risada que misturou o suor, a terra e a saliva que saia da sua boca.- Eu não estou sangrando como um porco senhor Abraão.
- Ainda tenho minha arma delegado, ainda posso dar um jeito nisso.
O barulho que fez se agachando para pegar o revólver fez o militar perceber que Davi falava sério.
- O senhor matou meu tio Delegado?
- Outro acordo de cavalheiros?
- Sim dessa vez eu faço as perguntas aqui, ou o senhor me diz o nome de quem matou meu tio ou morre, o que acha?
- Não foi eu quem o matou senhor Abraão.
- Quem o matou delegado.
- Não fui eu, só isto que posso lhe dizer.
Davi levantou a arma com dificuldade apontando para a testa do delegado.
- É só isso que o senhor tem a dizer
O homem viu que ele falava sério.- Não se esqueça, vai precisar de um bom álibi senhor Abraão.
- Meu nome é Davi.
Um estrondo ecoou fenda adentro enquanto Davi se sujava ainda mais de sangue, só que dessa vez de outra pessoa.
O revólver deixou um corpo pra cada lado, curiosamente o que ainda estava vivo ficou caído e sangrando enquanto o corpo do delegado jazia morto em pé.
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Revolução ou Crise
Fiksi UmumUma pequena cidade tradicional dos anos 90 em revolução. Desaparecimentos misteriosos em sequência. Uma grande conspiração. Marta enfrentará uma batalha política num jogo de assassinos calculistas, mas também não estará sozinha. A cidade é de m...