Ao entrar a descompostura do porteiro, como alguém nervoso sem saber como dar boas vindas, já diziam a Marta que algo estava fora do comum.
O homem alegre e bem aventurado que destribuia bom dia a sorrisos largos.
Deu lugar a alguém que esperava respostas, mas sem o poder de fazer perguntas.
Deixando claro que o for que lhe esperasse, não viria por ele.
E Marta percebia que no fundo não era apenas aquele distinto senhor, com quem proseava todas as manhãs.
Sentia uma tensão coletiva.
Como se todos compartilhassem do mesmo sentimento em segredo.
Após passar pela recepção não conseguiu deixar de perceber que um grupo de funcionários a olhava de uma forma estranha.
Depois da demissão de Marconi, alguns homens sobre a alcunha de pais família, a abordavam para falar que precisavam do emprego.
Ao saber sobre a dispensa dele especularam que todos os outros também seriam substituídos por mulheres.
Teria que fazer uma reunião, as circunstâncias como um todo a diziam que seria inevitável
No momento que chegaram os macacos de última geração, alguns funcionários queriam quebrá-los, por receio de substituírem o trabalho bruto.
Como se todos os homens dali não tivessem nada mais que isso a oferecer.
A vida da diretora estava cada vez mais agitada na empresa, e ainda tinha os compromissos da campanha.
E o dessa tarde seria o senhor Alexandre, mas que se apresentava como Alexander pra parecer mais moderno.
Um dos raros gays assumidos da cidade na época e era também um dos poucos graduados e bem sucedido da sua geração na pequena Bouganville.
- Bom dia dona Marta , falou uma voz doce e desconhecida ao telefone, meu nome é Elisa sou a nova secretária.
- Bem vinda Elisa depois passo pra te conhecer pessoalmente, tinha me esquecido que Linda já está trabalhando no almoxarifado.
- Tudo bem senhora, disse Elisa corando as bochechas com a emoção de quem começou no primeiro emprego.
Marta não abordaria o assunto, já que se tratava de uma questão pessoal, então não poderia ser invasiva.
Mas sentiu o desejo de cumprimentá-la por se livrar de um casamento com um sujeito como Marconi.
- O senhor Alexander tem horário com a senhora, posso pedi-lo para entrar?
-Sim, peça alguém pra trazerem dois chás por gentileza, disse Marta sem interesse nenhum nessa conversa.
O publicitário entrou na sala como um encanador procurando por goteiras, olhava todos os cantos e analisava cada objeto, quadro e decoração, mas na maioria das vezes balançava a cabeça em sinal de desaprovação.
Marta começou a pensar que a conversa seria longa e cansativa, considerou arrumar alguma desculpa pra escapar, mas não seria fácil.
- Oi Mart, começou ele, Vi que você ignorou minhas últimas dicas pra esse seu, sei lá deposito de trabalho.
Marta não retrucou a provocação.
- O que você fez sobre as faixas e temas de campanha, e aqueles santinhos de papel reciclado, que horror, é isso que você chama de modernidade e futuro, tenha dó.
Terminou Alexander quase sem ar, como se estivesse fazendo uma desabafo.
Marta olhou, assimilou o golpe antes de responder.
- Minha proposta é modernidade na educação, saúde, lazer, trazer equipamentos de segurança, as viaturas da cidade estão caindo aos pedaços, trazer pelo menos uma faculdade pra cá, não estou pensando em fazer panfletinhos mais brilhantes, já chega dessa enganação pra manter o povo sobre as regras daquele prefeito.
E quando terminou de falar percebeu que Alexander estava com os olhos lacrimejando, ela não entendeu quando ele a abraçou e falou em seu ouvido.
- Eu sei Mart, eu me mudei daqui e me preparei pra um dia ajudar alguém que pudesse mudar isso,
pensei que pudesse até ser eu.Ela percebeu claramente a honestidade dele em seu olhar.
- Eu acredito em você e deposito tudo que eu tenho nisso, mas precisamos que a cidade inteira acredite também, por isso precisamos do panfletinhos brilhantes.
Marta poucas vezes na vida tinha sido tocada por alguém daquela forma, e sabia que ele estava sendo verdadeiro, mas antes que respondesse o homem completou.
-Todo movimento de crescimento e progresso só tem efeito se as pessoas entenderem sua proposta e o caminho que pretende guiar a fábrica e a cidade, só assim confiarão na sua liderança, esses momentos de expansão também trazem muita insegurança e consequentemente boatos, que vai gerar mais insegurança e mais boatos, uma reação em cadeia extremamente destrutiva,
Ela o fitava com atenção, até que ele continuou:
- Mart você é a pessoa mais justa que eu conheço, só que até os seus funcionários não confiam em você, eu cheguei um rapaz veio me perguntar se eu vim fazer entrevista e pra vaga de quem, precisamos mudar sua imagem e já.
A diretora refletiu e viu que era verdade, percebia olhares nervosos quando a viam, outros se atrapalhavam quando ela ia na produção e viu que Alexander estava totalmente certo, o que essas pessoas estariam dizendo dela na cidade? E precisaria do voto delas para fazer as mudanças que tanto sonhava, se aproximou, deu um abraço no rapaz e falou em seu ouvido.
- Começamos pela sala que você chama de depósito de trabalho ou pelos panfletinhos brilhantes? E deu um sorriso.
- Começaremos por você futura prefeita de Bouganville City, enquanto vamos ao salão pra eu orientar a cabelereira, eles dão um trato em você e eu dou um trato nessa futura sala, e a foto dos panfletinhos ficara linda da prefeita em um lugar parecido com um gabinete, mas antes da fotos temos uma tarefinha.
-Qual?_ Respondeu Marta de imediato
-Você ainda não percebeu Mart, disse Alexander pegando o telefone.
- Não estão todos ociosos? Dedique seu tempo a eles, precisamos conquistar seus funcionários.
- Conquistar meus funcionários, repetiu Marta em voz alta, enquanto chegavam os chás e ela descobriu que ganhara um amigo.
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Ela nunca tinha visto tantos pincéis desde que fazia as aulas de Artes da professora Eunice.
Uns colocavam pó em seu rosto enquanto outros misturavam tintas em uma tigelas como cozinheiras preparando omeletes.
Olhavam fotos com um tom de dúvida diante tantas opções de cortes, coques e penteados diferentes.
Uma das cabelereiras mais engraçadinha sugeriu um rastafári e todas riram como se estivem se divertindo.
Diante de tanta pressão Marta não vivia e sentia essa descontração a tempos.
Mas por fim Alexander chegou reprimindo a festinha particular das cabelereiras, queria agilidade, tinha muitas coisas a fazer.
Enquanto Marta ficava de olhos fechados para ser pintada na parte de trás dos pálpebra, ele interrompeu.
- Por favor limpe isso do rosto dela, tire esse brilho.
- Alexander! Disse Marta meio sem entender, e quanto as cores vivas pra dar ânimo aos funcionários?
- Não cabe mais agora, adote um tom mais escuro de respeito, em sinal de luto.
A sala repentinamente ficou em silêncio, até que Alexander completou.
Mataram o filho do prefeito.
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Revolução ou Crise
Genel KurguUma pequena cidade tradicional dos anos 90 em revolução. Desaparecimentos misteriosos em sequência. Uma grande conspiração. Marta enfrentará uma batalha política num jogo de assassinos calculistas, mas também não estará sozinha. A cidade é de m...