Capítulo 5: Um passado que sangra

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Por: Sandy Azevedo

Cheguei à cidade e o burburinho incômodo deu início. Abaixei meu chapéu, amarrei Hans ao tronco da Acer de bordo. Suas folhas estavam um pouco apagadas.

– Pobrezinha – disse alisando-a. Já havia dito ao Sr. Alfons que a Acer gosta de luz, mas não muito de calor. Como poderia deixa-la aqui na porta da loja sem uma sombra nem que seja parcial?

Olhei para os lados e algumas pessoas estavam conversando em frente ao estabelecimento, quando me viram seus rostos empalideceram. Voltei a descer meu chapéu e me dirigi com as encomendas à porta do fundo da loja, como fazia a anos. Dei as quatro batidas seguidas e rápidas, que eram nosso sinal.

– Entre Wolf.

– Boa tarde Sr. Alfons – disse deixando os queijos e leites no balcão da cozinha de seu restaurante.

– Porque insiste em usar esse chapéu, meu filho? – perguntou. Ele sempre me constrangia.

– O Sr. Sabe que não gosto – continuei tirando os produtos.

– Você lembra a primeira vez que veio me oferecer seus produtos? – deu uma gargalhada e ruborizei-me. – Você estava tão assustado. Sujo e oferecendo comida? Claro que recusei, mas você esqueceu um queijo e minha esposa, sem saber, o comeu achando que eu havia deixado para ela. Ela elogiou tanto que tive que te procurar, mas ninguém sabia de você, apenas a Sra. Anette.

Respirei fundo tentando conter minha frustração. Não gostava dessa parte do passado. Sr. Alfons percebeu meu constrangimento.

– Desculpe. Não sabia que ainda doía. Já tem quase 20 anos isso. Eu mudei, Anette mudou, minha esposa já não está mais aqui e a filha de Anette, Edeline, também não. Sinto muito.

– Tudo bem – respirei fundo.

– Aqui está seu pagamento. Obrigado. Vê se vêm aqui mais vezes. Sabe que os anos passam e mesmo que eu tenha envelhecido e você não, tem em mim um amigo. Estive aqui quando você precisou e permaneço.

– Sei disso Sr. Alfons. Volto em quinze dias – finalizei abaixando minha cabeça em respeito. Nós, alemães, não somos conhecidos por cordialidades. Apertos de mão e abraços denota intimidade. Apesar de conhecer Sr. Alfons há anos, não sou íntimo de ninguém.

Saí do estabelecimento, desamarei Hans e seguimos pela rua. Deixei a cesta com ovos na porta da casa de Marta, que na época que começou a comprar comigo era adolescente. Levantei seu pequeno cacto e retirei meu dinheiro de lá. Era assim que tinha meus clientes. Eles não me viam. Nenhum de nós fazíamos muita questão.

Fui seguindo pela cidade até sobrarem três garrafas de leite. Engoli em seco e entrei na loja de roupas. Já fazia uns três anos que não comprava roupas. Mesmo não gostando da modernidade, precisava comprar algumas.

Sabine, a vendedora me viu e ficou muda. Ela e Edeline eram amigas. Ambos compartilhamos um olhar tristonho. As palavras não foram ditas, mas não era preciso. Um atendente notando nosso desconforto veio em meu auxílio. Notei seu desconforto perto da lenda da cidade, ou seja, eu.

– Quero quatro roupas de baixo, seis roupas de cima, uma calça desse pano resistente, um par de solados para meus pés e meias porque essas não servem – disse apontando para meu pé com meias sujas. O atendente tampou o nariz.

– Siga-me. Roupa de baixo eu imagino que sejam cuecas. Aqui tem alguns modelos...

– Mas isso vocês não chamam de short? – o cortei apontando para o que ele chamava de cueca. Ele riu e eu queria bater nele.

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