Capítulo 1: A Derradeira Música

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Por: Tatiana Castro

            "A trombeta poderosa espalha seu som

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"A trombeta poderosa espalha seu som

pela região dos sepulcros,

para juntar a todos diante do trono.

A morte e a natureza se espantarão

com as criaturas que ressurgem,

para responderem ao juízo".

(Wolfgang Amadeus Mozart, 1791.

Tuba Mirum, in: Requiem em Ré Menor)

Enquanto o arco castiga impiedosamente, pondo a prova à resistência da madeira, as cordas gemem sob os habilidosos dedos longilíneos. A pressão calculada estrangula de forma precisa o pescoço do antigo violino. Inclinado sobre o instrumento, o músico aparenta sofrer juntamente com a melodia, como se, a cada nota produzida, se desculpasse com seu escravo aprisionado em seu abraço dominador.

Essa interação músico/instrumento é tão particular que eu me considero uma voyeur, espiando a dinâmica de um casal em pleno intercurso, e não assistindo ao ensaio no anfiteatro no centro histórico de Salzburgo. Apesar de que, hoje, diria que presencio uma orgia e não um ato íntimo, pois o violinista compenetrado é um entre uma centena de músicos que estão unindo seus talentos em um único clamor, revivendo a última criação do genial Mozart.

O ensaio geral da orquestra sinfônica vinda de Viena é fechado para o público, entretanto, ser a patronesse e organizadora do Festival de Verão da cidade me permite certas regalias, incluindo o solitário acento na arquibancada do teatro. Enquanto o coro adere ao bacanal sonoro, sinto as lágrimas que nunca derramaria em público lavarem meu rosto, mais uma vez levando um pedaço de minha alma junto com o Réquiem em Ré Menor. A composição fúnebre seria a conclusão perfeita para as homenagens a Mozart, que em pleno século XXI, continua sendo a maior celebridade produzida na 'Fortaleza de Sal', como a cidade austríaca Salzburgo é conhecida.

– Senhorita Montgomery, senhorita Montgomery – a voz esganiçada de Alina, num misto de grito sussurrado, me arranca do transe musical. Só tenho tempo de secar as poucas lágrimas que ainda escapavam e, o mais rapidamente que meu altíssimo Manolo Blanhnik prateado permitia, enxotei a assistente gorducha sem emitir nenhum som.

– Ficou insana, Alina? Sabe o quanto me custou convencer esse maestro temperamental a se apresentar nesse festival? – repreendo assim que fecho as portas do teatro atrás de nós. A luxuosa antessala, dominada por um gigantesco lustre de milhares de cristais, refletiam inúmeras tonalidades sobre o piso de mármore negro polido. No extremo oposto da porta do auditório, uma imponente escadaria subia até os jardins da Catedral de Salzburgo.

A Fortaleza VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora