Nós pulamos

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Passei o dia inteiro praticamente sentada olhando um ponto na parede do apartamento. Eu não queria admitir nem para mim mesma, mas estava contando os minutos na cabeça para passar na casa de Margot.

Tudo nela me puxava pra perto. Ela era interessante e inebriante. Eu ansiava pelo cheiro de sua pele, de seu sangue, de uma maneira quase perigosa. A minha consciência de anjo não achava certo cobiçar o sangue de alguém desse jeito. Na maior parte do tempo era cansativo e muito difícil ter essas duas partes conflitantes no meu cérebro. Anjo e demônio, sempre brigando e nunca chegando num consenso.

Mas pelo menos nesse quesito nós concordamos. Eu não iria machucar Margot. Nunca mais. Eu estava divagando, mas pelo que parece, nem isso eu tinha direito de fazer mais. Um barulho muito alto na minha varanda me fez tomar um susto e levantar na mesma hora. Eu cheguei à varanda e não acreditei no que eu via.

Um homem estava parado na minha varanda. Suas asas negras eram enormes e estavam se retraindo até desaparecerem enquanto ele levantava seu rosto pra mim e me encarava com seus olhos violetas e sobrancelha marcada. Eu não o via há muito tempo.

-Zazriel? É você mesmo?

-E quem mais poderia ser? Você recebe muitas visitas de anjos?

-Na verdade não...vem aqui, que saudade de você. O que você está fazendo aqui?-Eu disse o abraçando enquanto ele sorria.

-Na verdade, não é só uma visita social. Vim em nome do General.

-Ah, mas é claro. Você trabalha para aquele cretino assassino idiota e sem noção. A resposta é não...agora vamos conversar sobre outras coisas.-disse soltando ele e voltando para dentro do apartamento.

-Sofia. Nós estamos precisando de ajuda de verdade. O general em pessoa pediu para eu vir convocar você. A guerra está cada vez mais próxima e não há muitos de nós contra eles. Mesmo que você não faça uma coisa boa, você é boa no que faz. -Ele disse se sentando no sofá.

-Você quer dizer que tirar os criminosos da cidade não é uma coisa boa?

-De tudo que eu falei, você só ouviu essa parte?

-Escuta aqui, Zaz. Eu sei que eu não tenho os melhores métodos, mas infelizmente eu preciso me alimentar. Eu já tentei com sangue de animais e até com sangue nenhum. Não dá certo. Eu quase morri de sede da última vez naquela guerra ridícula, mesmo assim não acho certo essa matança que vocês continuam praticando. Estão matando gente inocente. Fale com o general que eu vou pensar. Não vou confirmar nada agora.

-Tudo bem, mas pelo menos você vai considerar a possibilidade, já é um começo. Enfim, posso saber porque quando eu te chamei lá fora você não me atendeu?

-Eu estava distraída. Não precisava ter quebrado minha varanda.

-Ficou distraída durante um bom tempo.

-Verdade.

-Não vai me falar qual o nome da pessoa de sorte?

-Pessoa de sorte? Isso sim é uma ironia bem construída...O nome dela é Margot.

-Isso é fantástico, Sofia. Nunca achei que você iria achar alguém, sinceramente. Eu fico muito feliz mesmo por você. - Os anjos tinham uma sinceridade que chegava a beirar o ridículo, era engraçado.

-Não fique tão feliz. Ela é humana.

-Humana, Sofia? Tantas pessoas no mundo e você tinha que se apaixonar por uma humana?

-Se a vida fosse simples, a gente não estaria aqui.

-Bom, nisso você está certa. Você vai dar um jeito, tenho certeza.

-Eu queria ter essa convicção comigo mesma. A cada dia é mais difícil ficar perto dela. O sangue dela é muito forte.

-Talvez o sangue dela seja irresistível pra você porque você a ama.

-Eu não sei, Zaz. É como se ele cantasse pra mim.

-Nós anjos não conseguimos gostar de mais de uma pessoa em nossas vidas. Está no nosso DNA. Se você sente algo por ela, ela é a sua escolhida. Posso dizer que nunca vi você desse jeito por ninguém antes. Bom, eu preciso ir, as coisas lá em cima não estão muito boas. Considere o que eu disse, tudo bem?

-Eu posso fazer isso. Adeus, Zaz. Tome cuidado.

-Adeus, Sofia.

Ele foi até a varanda e estendeu suas asas negras flamejantes devagar, levantou vôo mais rápido do que eu pude acompanhar. Ele simplesmente desapareceu e eu fiquei ali pensando no que ele tinha falado. Ela era a única pra mim, e eu não conseguiria ficar muito tempo longe.

Peguei as chaves do carro e saí do apartamento, eu precisava vê-la, nem que fosse por alguns minutos. Um tempo depois, quando parei em frente a sua casa, vi que sua janela estava aberta, eu esperei para ver se ela estaria no quarto e ela apareceu em seguida, depois esperei para ver se tinha mais alguém com ela ali, mas ela parecia sozinha. Me aproximei da parede do lado de fora e simplesmente pulei, aterrizando na base de sua janela. Me forcei pela mesma e entrei no quarto, tudo isso em menos de dois segundos. Quando ela me viu, tomou um susto e arfou.

-Oi, Gogo, desculpa se eu te assustei. Perai, você está chorando? - disse me aproximando dela e firmando minhas mãos em sua cintura, a puxando pra mim.

-Não, tudo bem. Só não estou acostumada a ver pessoas entrando pela minha janela.-Ela mudou de assunto mais uma vez. O que ela estava escondendo de mim? O que faziam com ela aqui? Eu tinha que descobrir o que estava acontecendo.

-Você quer que eu vá embora? Eu vim num momento ruim? -Me afastei dela e sentei em sua cama.

-Não...não vai, fica aqui comigo. - ela disse com calma se aproximando de mim e eu levantei acabando com a distância entre nós e segurando em sua cintura. Senti ela suspirar pesadamente enquanto eu beijava sua bochecha e seu pescoço devagar, deixando ela arrepiada.

-O que você estava fazendo? - perguntei apertando ainda mais sua cintura com uma mão enquanto tirava seu cabelo do rosto com a outra. Eu vi seus olhos inchados e uma lágrima ainda caía pelo canto da sua bochecha.

-Resolvendo uns problemas aqui em casa, nada demais. Estava com saudade. -Ela disse vagamente me deixando ainda mais curiosa.

-Não tava nada...

-Eu juro que sim. Vem, vamos sair daqui. -Ela começou a me puxar.

-Você não vai mesmo me contar o que aconteceu?

-Não. Vamos, eu não quero ficar mais aqui.

Ela ia sair pela porta, então parei na frente, assustando ela.

-Você tem que parar de fazer isso toda hora. -Ela disse rindo.

-Desculpa. Mas não podemos descer por aqui, alguém pode me ver.

-E o que você propõe? Ah, claro.

Eu dei um sorriso torto pra ela e segurei seu pulso a forçando a encontrar meus olhos. Eles estavam dourados, eu precisava me alimentar. Mas também precisava vê-la.

-Você precisa segurar, Okay? Não pode me soltar. Se você cair daqui de cima quebra uma dúzia de ossos.

Ela concordou e eu puxei ela até a janela, quando atravessamos, eu a coloquei nas minhas costas e pulei. Não foi nada tão extraordinário, mas quando eu tirei ela de cima de mim, seu rosto mostrava uma expressão de fascínio que beirava o terror pela situação.

-Tudo bem amor?

-Tudo.

-Não parece. - disse abrindo a porta do carro pra ela. Quando entrei vi ela soltando o ar com força. -Pra onde agora?

-Onde você quiser.

Eu sorri. Sabia onde levá-la.

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