Olhos dourados

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Eu dirigi durante uma hora e esse foi o tempo de Margot dormir no meu carro. Ela dormiu segurando minha mão e eu não estava mais aguentando, eu precisava de sangue. Não poderia ficar perto dela daquele jeito. A boate estava fechada então eu só tinha uma opção. Quando parei na frente do hospital, ela se mexeu e abriu os olhos devagar, quando me viu, sentou depressa no carro.

-Ei, calma. Eu tenho que resolver uma coisa aqui, você quer me esperar aqui ou vai entrar?

-Eu vou entrar. - Eu não queria que ela fosse, mas não podia impedí-la. Quando entramos, eu fui na atendente e chamei pela doutora Karen. Ela era a chefe da ala de neurologia do Hospital, e filha caçula da minha irmã adotiva, mesmo que com seus 54 anos. Ela era a filha mais nova da minha irmã e Carol era a mais velha, e eu ia visitar as duas sempre, então acompanhei o crescimento delas. Quando Karen apareceu, abriu um sorriso pra mim e se aproximou.

-Quem é, sua mãe?

-Não, é complicado.

-Oi Sofia, venha, vamos até a minha sala.

-Você não está ocupada agora, Karen?

-Não neste momento. Tenho um tempo para vocês. Quem é essa jovem linda?

-Margot, senhora, amiga de Sofia. - ela disse sorrindo com vergonha e abaixando os olhos.

-Minha namorada, Ka. - segurei sua mão e ela me encarou arregalando os olhos. Margot ficou assustada, mas abriu um sorriso. A felicidade no rosto de Karen foi palpável. Ela vivia se queixando de que iria morrer sem me ver com ninguém.

-Que ótimo, venham, antes que alguém me veja e decida me chamar. - A sala dela era ampla e bem iluminada. Ela era uma das acionistas do Hospital, e ganhava muito dinheiro. Quando nos sentamos ela trancou a porta e se sentou do outro lado da mesa.

-Ela sabe?

-Da maioria, sim.

-Então, o que trouxe minha tia desaparecida no meu consultório depois de meses? Achei que agora você só falava com Carol.- Eu virei meus olhos para ela e vi o rosto de Margot trabalhando para digerir aquela informação. Eu sorri e apertei seu pulso de leve. - É complicado.

-Perai, quer dizer então que ela é sua sobrinha? - Ela disse me perfurando com seus olhos em dúvida.

-Sobrinha mais nova.

-Você é a mais nova? - Margot estava com os olhos esbugalhados enquanto olhava de um lado para o outro.

-Eu vou te explicar tudo, só, não surta, por favor.

-Ou surta, eu sou cirurgiã neurológica, acho que posso dar um jeito.

-Depois, okay? Eu prometo que você vai se acostumar. - disse passando meu polegar em sua mão devagar. Ela assentiu e Karen olhava aquilo maravilhada.

-Sempre me perguntei se seria diferente para você, mas aparentemente, tirando as coisas óbvias, é a mesma coisa. - Ela encarava as nossas mãos juntas e meus olhos dourados.

-Não vamos falar sobre isso agora, eu preciso da sua ajuda. não posso caçar agora.

-Ah então foi por isso que você veio, eu devia ter percebido.

-Foi por isso também, estava com saudade, sobrinha.

-Pode cortar a falsidade. Eu vou pegar, fique aqui, se alguém bater na porta, não atenda. Não fale nada. Sobrinha...-ela saiu resmungando, me fazendo sorrir.

-Você vai ter que me explicar isso tudo depois, é muita coisa pra processar.

-Tudo bem.

meus olhos dourados ardiam e coçavam, junto com minha garganta ardendo, eram um lembrete do que eu deveria fazer. Eu nunca estaria livre daquela parte de mim, mas ainda não estava pronta para mostrá-la a Margot. Nem Karen tinha visto ainda. Quando ela voltou com uma caixa branca eu suspirei. Sabia que ela não gostava daquilo tanto quanto eu, mas eu não tinha outra opção.

-Karen, será que você poderia mostrar alguma parte do hospital para Margot? Eu encontro vocês. - pedi implorando a ela com os olhos aflitos.

-Qual parte do hospital você quer ver, criança?

-Ortopedia. - ela disse animada.

-Achei que iria preferir a minha área, você com toda certeza tem alguma coisa na cabeça para ficar perto dessa daí. -Ela disse rindo e apontando pra mim.

-Ta bem, tá bem, vão logo.

Elas saíram da sala e eu fechei todas as persianas, mexi as cameras para o canto e me sentei no chão. Aquilo não seria nada bonito. Na hora de me alimentar, a minha parte vampira demoníaca tomava conta de todos os meus sentidos. Depois eu só sentia aquele arrependimento sem descanso...essa era minha sina, prazer e sofrimento sem fim. Depois de um tempo eu terminei a terceira bolsa de sangue e recuperei o fôlego. Karen só tinha me dado aquelas, eu estava sob controle, mas não satisfeita. Por hora era o bastante. eu fui ao banheiro e limpei o meu rosto. Meus olhos estavam verdes, ótimo, hora da culpa esmagadora.

Só de pensar nas pessoas que ficaram sem sangue pra que aquilo pudesse acontecer...Não, não podia fazer aquilo comigo mesma, não enquanto Karen esta com Margot. Não sabia o que ela podia dizer. Eu me olhei no espelho mais uma vez e tentei arrumar meu cabelo. Desisti e saí da sala enquanto domava ele com um prendedor. Fui andando pelo hospital até chegar na passarela principal. Olhei para baixo e vi as duas sentadas na cantina. Sofia não tinha comido nada. Me amaldiçoei enquanto fazia meu caminho até as duas.

-O que as senhoritas estão fazendo?

-Conversando...contando algumas coisas para Margot.

-Quer dizer então que você trabalhava na polícia?

-Ok, chega. Vamos, você precisa comer. Karen, obrigada. Eu vou voltar pra te ver, prometo.

-Você sempre diz que vai vir, e nunca vem.

-Você sabe como é difícil pra mim vir aqui. Mas dessa vez eu prometo. - disse me aproximando e passando a mão na sua bochecha. -Sabe que eu sempre cumpro minhas promessas, não sabe?

-Sim. Bom, traga ela mais vezes. Eu e Richard vamos dar um jantar sexta lá em casa. Acho melhor e mais fácil para você ir lá do que vir aqui, não é mesmo? Vocês vão.

-Eu vou ver.

-Vocês vão. -Ela disse firme e Margot apertou minha mão, eu suspirei revirando os olhos. Me virei e puxei Margot de lá antes que Karen venha com mais uma de suas idéias.- Eu levo o vinho. Te amo, pequena.- Disse de costas, indo embora e terminando a conversa.
Quando passamos da porta o sol bateu na minha pele, irritando um pouco. Eu puxei a manga do casaco enquanto destravava o carro. Quando entramos, Margot passou a mão pela manga do casaco e subiu ela devagar, expondo minha pele e olhando pra mim com dúvida.

-O que foi? - perguntei ligando o ar do carro.

-Achei que o sol não te machucasse. Quer dizer que o que falam dos vampiros é verdade?

-Mais ou menos. Bom, o sol não me machuca, só quando eu estou sem me alimentar.

-Mas eu achei que...?

-Eu estou bem, está tudo bem. Precisamos cuidar de você agora. O que você quer comer? - disse mudando de assunto. Não iria falar sobre aquele assunto com ela mais que o necessário.

-Hamburguer.

-No almoço?

-Ta bem...hamburguer e batata frita. -Ela se aproximou e mordeu meu pescoço, rindo.

-Você é tão adolescente. - disse beijando sua bochecha. Deuses, ela não conseguia se controlar, era engraçado.

-Você é tão velha.

-Touchê. Coloca o cinto. - disse dando partida no carro.

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