A visita

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A lua cheia brilhava no alto do céu sem nuvens do Rio de Janeiro. Eu andava pela rua e sentia os cheiros a minha volta. Sangue, misturado com bebida e suor. As pessoas no centro da cidade tinham esse cheiro. Era mais fácil pra mim, eu conseguia me controlar melhor assim. Eles ficavam a salvo e eu não ia presa por assassinato. Voltava do mercado divagando e apressava o passo para chegar o mais rápido em casa. Não deveria nem ter saído, em primeiro lugar. Só de pensar em quantas pessoas eu coloquei em risco, como a atendente do mercado que sorria nervosa enquanto suas veias bombeavam agilmente o sangue fresco e limpo até seu coração. Eu tinha me inclinado levemente em sua direção, e então saído dali o mais rápido possível. Eu não me importava muito com as pessoas, mas eu poderia ser descoberta e isso não seria nada legal. No final da rua estava meu apartamento, simples e envelhecido como todos do centro da cidade.

Morava num dos bairros mais boêmios do Rio de Janeiro, o que significava que alguma coisa sempre acontecia ali. Uma nuvem de fumaça e cheiros passeavam ao meu lado, mas eu estava focada em meu objetivo. Tinha que voltar pra casa e fazer um jantar. Umas das minhas sobrinhas, Carol, faria uma visita naquela noite. Carol era uma mulher forte que, mesmo sendo minha sobrinha, não tinha medo algum de brigar comigo as vezes. Ela e a irmã sempre foram muito respeitosas e entendiam a minha "situação " mas não gostavam de falar sobre isso, então eu fingia que tudo estava bem quando estava na presença delas, era o que eu teria que fazer hoje, fingir que tudo estava normal e que eu não estava há horas sem me alimentar. A verdade é que elas duas vinham me visitar raramente, por minha escolha. Eu não poderia ficar com a minha família. Não sendo desse jeito, não fazendo o que eu faço agora. Era muito perigoso, para as duas.

Entrei no meu apartamento e acendi as luzes, de primeira elas machucaram meus olhos, mas eu deveria me acostumar com isso... acho que Carol não gostaria de comer no escuro. Em um minuto todos os cômodos estavam impecáveis, não que houvesse muita coisa fora do lugar. No celular, uma mensagem onde ela dizia que tinha acabado de sair de casa, sorri pensando que ela devia estar entrando no chuveiro agora. Todos têm esse costume. É tão...humano.

Vou para a cozinha e começo os preparativos do jantar dela. Eu não vou comer com ela, vou apenas misturar a comida no prato para parecer que eu apreciei o jantar. Às vezes sentia vontade de experimentar a comida, gostava de como era fácil saciar a vontade, a fome. Às vezes sentia repulsa. Do cheiro, da consistência, de tudo. Enquanto a lasanha estava no forno, fui tomar um banho. No espelho do banheiro vejo aquele corpo moreno claro apagado que não mudava nunca. Meus cabelos cacheados estavam enormes e contra todas as possibilidades, bonitos. Pelas histórias que cresci ouvindo, meu pai tinha uma pele morena deslumbrante e minha mãe, um cabelo cacheado divino. Parece que herdei um por cento daquilo tudo.

Tomei um banho rápido e gelado, minha pele era quente demais ou fria demais, sempre nesses extremos, dependendo de qual parte minha estava mais forte naquele momento. Eu estava quente como um anjo, mas precisava pelo menos tentar diminuir minha temperatura antes que Carol decida me internar no hospital, não sem antes falar com Karen para que ela também ficasse preocupada. Karen era minha sobrinha mais nova e tinha os cabelos ruivos como sua irmã. Seu rosto, mesmo envelhecido pela idade, ainda era bonito. Para mim elas sempre seriam minhas garotinhas.

Depois de uma hora minha campainha tocou e eu esperei um tempo antes de abrir a porta.

-Oi tia, tudo bem? Como você está? -Carol me abraçou e eu prendi a respiração a soltando e dando uma boa olhada em seu rosto. Estava com saudades.

-Muito bem, minha querida, entre.- Enquanto ela entrava e tirava o casaco, notei que ela parecia abatida, achei melhor não tocar no assunto, ela falaria se alguma coisa ruim estivesse acontecendo. Ela sempre falava. Carol se sentou no sofá e eu parei na sua frente.

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