A presa

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Estava em casa jogada no sofá enquanto na televisão passava uma matéria no jornal sobre os corpos de alguns integrantes da gangue de milicianos que tinham sido encontrados esta noite. Eu estava alimentada e eles tinham sido eliminados. Meu trabalho estava feito, afinal, era para isso que eu era paga.

Eliminar a escória da cidade e me alimentar no processo. A segunda parte ninguém sabia. Os corpos deles sempre eram achados muito queimados e destruídos para que alguém realmente suspeitasse de alguma coisa. Claro, haviam pessoas com suas teorias da conspiração consideradas malucas e um tanto quanto ridículas...Nossa, as vezes elas chegavam bem perto.

A realidade é que vampiros existiam, assim como fadas e lobisomens e todo tipo de merda sobrenatural. O raro era encontrar alguém como eu, uma híbrida. De vampiros e lobisomens, fadas e anjos, vampiros e anjos...se você encontrasse um, não viveria para ver outro. Tudo por conta de um acordo entre os místicos e os angelicais sobre a não união entre espécies, pela pureza da raça. Idiotice.

De acordo com a minha mãe adotiva, eu tinha sido encontrada para adoção nos Estados Unidos. Ela e papai me adotaram e me criaram como sua filha, mesmo que eu tivesse nascido com uma peculiaridade, eles sempre me aceitaram e nunca fizeram isso um motivo de vergonha. Eram muito adiantados para seu tempo, realmente. Quando eu tinha cinco anos, viemos para o Brasil . Tudo bem monótono e sem graça. Não é como se eu tivesse crescido e me transformado em uma assassina de aluguel. Tudo bem...é, mas não vamos olhar por esse lado.

Eu descobri minha parte vampira com apenas 2 anos e aquela foi uma parte bastante obscura da minha vida. Cada animal que eu achava "dando sopa" virava meu almoço escondido da mamãe. Foram épocas em que eu não conseguia explicar pra ela o porquê de eu não gostar de nada que ela me dava pra comer, porque eu estava perdendo peso tão rápido e porque eu crescia mais rápido ainda. Eu sabia que aquilo não era normal, mas não queria assustar minha mãe.

Em 1924 quando nos mudamos para o Brasil eu resolvi aceitar a comida e parar de fazer aquelas maldades com os bichinhos. Ainda não conseguia deixar de lado a sensação de que faltava alguma coisa, mas resolvi me ocupar com outras coisas. Papai arranjou um emprego e mamãe me dava aulas de piano. Depois de um uns meses eu não consegui me parar e voltei a atacar os gatinhos que eu encontrava na rua. Eu me senti tão mal que finalmente tive coragem de contar para os meus pais e eles obviamente ficaram assustados e quase morreram.

Depois de um tempo nós conversamos, fizemos testes e finalmente conseguimos contornar a situação. Eu comia comida e bebia sangue as vezes. Quando fiz treze anos, mamãe ficou grávida e papai decidiu que já estava na hora de eu parar de matar animais para viver e fez um "convênio" com o hospital perto de casa. Ele pagaria por mês e eles nos dariam sangue o bastante para eu me alimentar. A partir do momento que eu coloquei a bolsa de sangue humano na minha boca, tudo mudou. Eu não conseguia mais comer comida. Minha visão mudou, meus músculos ficaram mais definidos e eu sentia uma enorme dor nas costas.

Meus genes de Híbrida tinham sido acionados quando eu me alimentei de sangue humano, coisa que eu só fui descobrir depois, associando aos fatos e como tudo aconteceu. Num dia qualquer daquele mês, na hora de tomar banho eu senti, uma elevação em minhas costas, na altura das minhas costelas. Mamãe olhou e disse que deveríamos ficar de olho. Depois de toda a coisa de vampiro, minha mãe já estava calejada de esquisitismo, mas realmente, aquilo foi uma surpresa, até para mim. A cada dia que passava minhas costas doíam mais e mais e mamãe me levou no nosso médico particular. Quando ele fez um raio-x, tomou um susto e desmaiou. Esperamos uns trinta minutos até que ele acordasse e nos contasse o que o tinha assustado a esse ponto. E ele nos disse. Eram asas. E eu tive que apagar a memória dele.

Durante o longo tempo em que elas cresceram eu descobri que podia escondê-las de todos quando quisesse, mas eu sempre as sentia ali. Papai e mamãe adoravam quando eu as mostrava para eles, elas eram enormes e brancas. Diferente deles dois, que se foram muito cedo, elas continuaram comigo, me aquecendo e me ajudando a voar pela noite, quando ninguém estava olhando.

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