Pelas estrelas

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Eu estava sentada de frente pra Margot na mesa enquanto ela devorava um pedaço de bolo. Ela ainda estava com a bochecha vermelha de excitação por conta do que tínhamos feito. Eu sentia o cheiro do sangue dela a sua volta como um perfume, mas seus olhos me distraiam.

-Ei, Terra chamando Sofia. O que aconteceu? - Margot estalava os dedos na minha cara.

-Tenho que conversar sobre uma coisa com você.

-Pelas estrelas, o que aconteceu? -Eu ri de seu nervosismo.

-O comandante dos anjos me chamou para a batalha entre os nephilim e os sobrenaturais. Eu fui convocada. Preciso partir até o final do mês.-disse colocando o envelope roxo em cima da mesa. Eu vi nesse momento uma série de sentimentos desenhando a face de Margot; confusão, raiva, impotência, sofrimento, medo. Um medo palpável que me deixava preocupada por ela.

-Isso é sério? Porque você nunca disse nada sobre isso antes?-ela perguntou pegando o envelope e o abrindo.

-Eu já tinha recusado a convocação dele duas vezes, mas agora com o documento oficial, eu não posso mais. Tenho medo de alguém vir aqui, te machucar e me levar à força. Não posso deixar isso acontecer.

-E o que nós vamos fazer? - Ela levantou da cadeira e veio sentar no meu colo.

-A única coisa que eu sei por enquanto é que você não vai voltar pra casa enquanto não quiser. Pode ficar aqui, é mais seguro. Caçadores não conseguem rastrear minha casa. Um acordo muito esquisito com uma bruxa bêbada, enfim, eu vou arrumar minhas coisas e me apresentar. - Disse tentando ao máximo não focalizar o seu rosto. Aquela expressão estava me matando.

-Mas, Sofia...E se acontecer alguma coisa? Você não pode morrer. -ela levantou e começou a andar de um lado para o outro.

-Vou fazer o possível para não morrer então. - tentei sorrir.

-Você simplesmente não pode. Não vai me deixar nessa casa sozinha. Ou eu juro que te mato.-Os olhos de Margot encheram d'água e eu levantei e a segurei na hora.

-Gogo, olha pra mim. Não, não, sem chorar. Eu vou ficar legal. Vão ser só alguns meses. Vai ficar tudo bem. Prometo. E então eu volto direto pra você.-eu beijei a cabeça dela enquanto ela se acalmava nos meus braços.

-E você tem que partir no fim do mês?

-Sim, é o prazo máximo.

-Isso é horrível, não quero mais falar nisso. -Ela olhou em meus olhos e eu beijei sua bochecha.

-Tudo bem, amor...O que nós vamos fazer o resto do dia?-disse apertando sua cintura de leve.

-Absolutamente nada. Nadinha. Zero.
Margot me arrastou até a cama e nós ficamos o resto do dia juntas na cama. Vimos um filme atrás de outro e durante um tempo eu até consegui esquecer tudo aquilo que se aproximava. Mas o esquecimento não é uma dádiva concedida ao meu tipo. Infelizmente. Ali na cama sentindo os beijos doces e calmos de Margot, eu sabia o que ela pensara mais cedo. Não poderia ir embora e a deixar assim, nervosa e aflita com a minha situação. Eu precisava arranjar uma solução. Margot dormiu e eu mandei uma mensagem para Yuri vir até minha casa. Eu iria pedir para ele ficar de olho nela quando eu fosse embora. Eu voltei para cama e fiquei olhando Margot dormindo até que ouvi um barulho na varanda. Levantei e saí do quarto. O anjo estava parado na minha varanda e suas asas douradas me assustaram a princípio. Só esperava que ninguém estivesse olhando para cima naquele momento.

-Eu pensei em descer na varanda do seu quarto, mas vi como você estava babando na menina deitada, achei melhor não interromper...interrompi?

-Gael? O que você faz aqui?

-Nossa, achei que depois desse tempo todo eu seria recebido com mais...entusiasmo.

-O que, você quer pombas brancas e trombetas? E sai logo daí!

-Talvez só as pombas. Não vai me convidar para entrar, ah esqueci, não preciso disso. - Gael foi entrando enquanto escondia suas asas e sentou no meu sofá. Ele era o braço direito do comandante das tropas angelicais e um dos meus melhores amigos...pelo menos até ele virar o braço direito do comandante.

-Sai do meu sofá. - sussurrei tentando não acordar Margot.

-Quanta indelicadeza, Sofia...

-Me desculpe, mas o que você quer, Gael? Sem disfarces ou metáforas. Só fala. O que quer?

-O comandante deixou escapar que a convocou para a guerra. Vim escondido ver como você estava. Esta tudo bem? - Ele se acalmou e eu pude ver ali, meu amigo, sem jogos de manipulação ou educação fingida. Só Galadriel, o anjo mais inteligente do céu.

-Na verdade, Gael, não está nada bem. Eu recusei o chamado do comandante duas vezes, e agora veio a convocação. Eu não quero lutar, eu só quero...

-Ter uma vida normal? Com a humana, eu presumo. Sofia, você já percebeu o que você é? Uma vida normal está simplesmente fora de cogitação, infelizmente, minha amiga.

-E o que eu faço, Galadriel? Nós nos apaixonamos, eu me apaixonei. Você sabe como é isso para os anjos. Só existe ela, todo o tempo e em todos os lugares. Como eu posso partir para uma guerra sem saber se vou voltar, e deixá-la aqui, esperando por mim?- Sentei ao seu lado e lá estava mais uma vez aquela sensação de formigamento no meu rosto.

Eu não poderia chorar, sabia disso, mas de repente me senti desconfortável sentada ao lado de Gael com a guarda baixa daquele jeito. Ele colocou a mão no meu ombro e disse baixinho enquanto eu fechava meus olhos.

-Eu sei que você quer que eu dê uma solução milagrosa e perfeita, mas isso não existe nesse caso, falando sinceramente, a solução que eu tenho é muito dificil, pra você. E Margot ficaria protegida e bem. Mas não você.

-O que é? Eu faço qualquer coisa. Eu abri meus olhos e o encarei nervosa.

-Você vai se arrepender disso, minha amiga. Me desculpe. - Ele me disse o que fazer e bem lá no fundo eu sabia que era a única opção viável. Gael se despediu de mim e foi embora. Deitei na cama ainda sentindo aquele formigamento no rosto que eu não sentia há muito tempo, eu sabia que esse estágio era, para mim, o mais próximo de chorar, mas naquela situação, deitada ao lado do amor da minha vida, eu pensei comigo mesmo que não era suficiente.

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