Capítulo 15 ❌

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Um leve cantarolar interrompeu meu cochilo totalmente desconfortável: arrastei a poltrona do quarto para mais perto do leito de Rimena para dormir segurando a mão daquela mulher tão conturbada que escondia grandes fatos.

- Ei...

- Hum?

- Ei.

- Rimena? - surpreendi-me. - C-Como você está? Você se lembra de mim? Sabe quem sou eu?

- É o Ted, meu colega de faculdade, estudante de filosofia, sala... 376.

- 375.

- Isso, isso! 375.

- Eu tive tanto medo de que não acordasse...

- A noite de ontem foi terrível. Minha cabeça doi muito.

- Você tá horrível.

- Você também. - riu. - Dormiu muito mal?

- Dormi. Ah, Rimena... Desculpe-me por te fazer passar por isso. Não deveria ter te chamado para sair.

- Não se culpe pela noite de ontem. Sabe que eu sempre gostei de sair com você...

- G-Gostava mesmo?

- Gostava. Ainda gosto. Quando eu melhorar, vamos a um quiosque não muito longe daquele bar, à beira da praia. Disseram-me que é muito bom.

- Não tem medo do Kevin aparecer por lá?

- Deixa ele para lá...

- Não. Eu não vou deixar! Aquele cara... Ele te agrediu na frente de todo mundo que tava naquele bar! - exclamou. - Se teve coragem de fazer aquilo em público, imagina o que fazia entre quatro paredes!

- Ted, ele só estava estressado.

- Não justifica, Rimena! Não justifica... Eu fiquei preocupado!

- E por que se preocupava? - começou a chorar. - Eu não tenho ninguém, Ted! Ninguém! Kevin era a única pessoa que eu tinha, que... Que me ajudava! Todas as pessoas são passageiras e ele sempre ficou comigo, ainda que fosse muito... Possessivo e agressivo.

- E eu?

- Você também.

- Você vai defender aquele cara?

- Ted...

- Rimena, o que você tem na cabeça?

- Ted, eu não tenho para onde ir, caramba! - exclamou. - Eu não tenho família, não tenho amigos, casa, emprego nem nada! Só tinha ele e você...

- O que?

"Como assim ela não tinha ninguém?", perguntava-me. "Parece que tenho mais coisas em comum com ela do que pensava..."

- Minha mãe sempre sonhou em ter um menino, mas ela era estéreo e um filho só nasceria por um "milagre". Ela, sem desistir e continuar tentando por anos, conseguiu engravidar... De uma menina, eu. Ela tentou por mais muitas vezes ter um segundo filho, mas não dava, não conseguia. "Um milagre não acontece duas vezes com mesma pessoa". Cinco anos depois eu e minha família viemos para os Estados Unidos e... Meus pais me deixaram no aeroporto, sozinha, sem ninguém, apenas com a minha mala e um pedaço de papel que dizia... - respirou fundo. - Eu não consigo continuar, Ted.

- Eu tô aqui... - continuei segurando a mão dela. - Pode dizer.

- "Eu e meu esposo, aqueles que você nunca deve ousar chamar de "mãe" e "pai", odiamos-te com todo nosso coração. O único momento em que ficamos feliz com sua companhia, foram seus três primeiros meses, aqueles a qual esperávamos ansiosamente para descobrir seu gênero. Então, a decepção veio: uma menina. Descobri tarde, no quarto mês. Logo, o aborto já era uma opção inválida, já que me prejudicaria. Seja a desgraça de outra família, não da nossa. Adeus, Praga.". Eu gravei cada palavra daquele bilhete. Cada palavra, cada frase. Tudo.

Carpe Diem: Playground [pt.3] EM REVISÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora