YoungJae achava que os pensamentos alguma hora iriam enlouquecê-lo. Sua cabeça doía desde aquela manhã, quando sua mente começou a trabalhar como uma maria fumaça enlouquecida, o trazendo ideias e motivos para que ficasse louco. Mais cedo havia negado a companhia de Jaebum para ir para casa, porque afinal, não era para lá que estava indo mesmo. Não costumava mentir para Jaebum, nem mudar o rumo de casa, mas sua cabeça estava cheia demais e só havia um lugar que podia ir para se sentir bem.
Não acreditava que estaria mesmo recorrendo a isso, conversar com um lago artificial realmente era uma das coisas mais estúpidas que poderia fazer. Mas se esse era o único jeito de se sentir bem, porque não faria? Ele entrou em um emaranhado de ruas que subiam uma parte mais alta de Seul, perto de Namsan onde tudo ficava elevado por causa da montanha. Passou por crianças brincando na rua, que o trouxeram a lembrança de quando brincava por ali com os amigos, amigos esses que continuavam com ele. Fazia aquele mesmo caminho todos os sábados da sua infância, corria até a casa do avô, a mais chamativa da rua, a casa que fazia a divisão da bifurcação; uma que levava a Namsan e outra que descia a montanha do outro lado. A casa imperial, na imaginação de YoungJae, parecia um dos cinco castelos, gostava de pensar que a casa do avô era como o Palácio Gyeongbokgung, e seu avô era o imperador dele. O apego que tinha com aquele lugar, o fazia enfrentar até as pessoas que menos gostava da família, como a esposa do avô após a sua avó falecer, apenas para estar lá.
Ele parou de frente aos portões da casa, duas placas de madeira altas como a entrada de um templo. Talvez o objetivo fosse mesmo parecer um palácio oriental. YoungJae apertou o botão do aparelhinho, fez um bipe e depois um chiado, e então a voz da sua "avó".
-Quem é? -perguntou, com a voz rouca de quem não esperava falar tão cedo. Deve estar criando teias de aranha lá dentro, pensou YoungJae.
-YoungJae. -respondeu.
Silêncio. Ela ficou calada alguns segundos, talvez pensando em diabos era YoungJae, haviam tantos nomes naquela família.
-Ah! -exclamou. Ele deu um salto pelo susto. -O que veio fazer aqui?
YoungJae suspirou para manter a calma, tinha mais direito àquela casa do que ela, passara quase toda a vida ali, só se afastou com a morte do avô.
-Vim ver o jardim. Só abra o portão.
Mais um bipe. Os segundos que se seguiram pareceram longos demais para YoungJae, até que a porta rangeu, ele a empurrou para abrir uma brecha maior e entrou, tendo que empurra-lá de volta até o trinco fazer barulho. Ele olhou em volta maravilhado com a familiaridade. Um caminho de pedras levava até a casa, ladeado por um gramado que circulava a casa até o jardim no quintal. Ele não se importou em entrar na casa, apenas a olhou com um sorriso simpático de quem ver um membro querido da família. Ele cruzou o gramado e caminhou até o quintal, onde um jardim chinês o aguardava como sempre, com um lago artificial, com sua margem de pedras escuras e polidas, lá dentro viam-se peixes alaranjados, uma ponte larga e escura se elevava sobre o lago e um Buda de pedra meditava sobre uma das pedras como sempre. YoungJae se lembrava do avô sentando ali do lado da estátua, reclamando de ser desconfortável ficar ali, mas mesmo assim ele adorava aquele lugar tanto quanto o neto. Era lá onde conversavam sobre tudo, até mesmo contavam os peixes quando estavam entediados e riam com cada livro de piada novo que o avô adorava colecionar. Quando ele faleceu, YoungJae ficou dias na cama, até se recuperar e ir conversar com o lago, sentado no mesmo lugar que ficava com o avô para desabafar sobre a vida.
Ele se dirigiu para a pedra baixa a esquerda do Buda, se sentou e deixou a mochila de lado. Ele respirou bem fundo e deixou escapar devagar para acalmar o coração. Um dos peixes colocou a cabeça para fora e depois voltou para a água, fazendo um barulhinho de bolhas. YoungJae olhou para a casa a metros de distância, e então para o lago. Ninguém o observava, estava a sós com o avô, ou com o lago. Sentiu o nó crescer na garganta, o segurava desde manhã, tinha que o desfazer. Foi quando um soluço irrompeu da sua garganta, seus lábios tremeram apertados e a cabeça entre as mãos tentava se esconder da vergonha que sentia por estar chorando como uma criança, por causa de um idiota.
-Eu tentei, eu juro, mas... não dá. -disse desabando em lágrimas, sentindo o corpo tremer inteiro, curvado sobre o abdômen enquanto soluçava alto. -Eu tentei confiar nele, mas mesmo que eu queira muito, eu não consigo. -confidenciou com a voz embargada ao lago. -Eu queria estar errado. Muito, muito errado.
Após a tormenta, vinha a calmaria. Era isso que definia todas as vezes que YoungJae ia para aquele lugar. Começava a chorar sempre que se sentava naquela pedra, e quando parava, depois de longos minutos, ele se sentia calmo e limpo como se realmente tivesse confessado tudo que sentia para alguém. Havia manchado alguns círculos nas pedras com suas lágrimas, havia sussurrado seus problemas para quem quer que o ouvisse; o lago, seu avô, ou mesmo Buda. Pensou se conversar com seus amigos causaria o mesmo efeito. Ele já tinha uma resposta para isso, e era não. Não, nenhum deles o daria o mesmo sentimento que era contar ao lago, que guardaria para sempre suas palavras e lágrimas.
Recuperando o fôlego, após ter dado rompimento a tristeza e insegurança, YoungJae estendeu a mão e tocou a água. Seu toque fez círculos da água, que só não era parada por conta dos peixes lá dentro.
Pensou ter ouvido a voz dele de novo, mas eram só seus pensamentos o atormentando mais ainda. YoungJae olhou em volta do lago, para a ponte de vigas de madeira escura. O canteiro de rosas-de-Saron presas a amurada da ponte, se balançando como se pretendesse se jogar. O prego que segurava a corrente do canteiro precisava ser apertado. Talvez o prego da sua vida também precisasse ser ajustado, não queria cair da ponte. Começando pelos suas suspeitas, deveriam ser concretizadas, deveriam existir provas, se não existissem não deveriam ser verdadeiras.
Seus olhos ainda estavam vidrados no canteiro, quando uma música o despertou. Pensou ter vindo da casa por estar tão abafada. Até que percebeu que sua "avó" não ouviria All I Wanna Do do Jay Park. Ele se virou e pegou a mochila jogada no gramado, ao erguê-la o som ficou mais alto, ele pegou o celular no bolso da frente. O nome Jaebum brilhava na tela. Ele revirou os olhos, deixou o dedo pairando indecisamente sobre o "desligar".
Jaebum?, a voz voltou a atormenta-lo. Não fazia sentido. Jay, precisamos conversar. Desde a madrugada que aquela voz invadia seus pensamentos, nas aulas, durante o almoço, ou quando tentava fazer qualquer coisa ela se fazia presente. Por fim ele desviou o dedo e pressionou o botão de atender.
-Jaebum?
-Onde você está? -perguntou Jaebum na outra linha. Parecia cansado, estava arfando, no fundo havia o barulho de carros. -Não minta, você está com raiva de mim?
-Eu tenho algum motivo para ter raiva de você?
Ele não estava com raiva. Realmente, sentir raiva sem motivo não era coisa de YoungJae, ele suspeitava, desconfiava, mas só sentia raiva de verdade quando tudo era confirmado.
-Eh... não sei. Me diga você. Pareceu estar com raiva quando foi embora. Pensei que tivesse ido para casa. -ele aumentou a voz a medida que o barulho de carros parecia maior. Isso explicava muito, a rua de YoungJae era movimentada demais durante a manhã e a tarde, era uma via muito útil para fugir de engarrafamentos. Devia estar andando pela rua.
-Jaebum-Ah, sabe que eu não estou com raiva.
-Então por que mentiu para mim?
-Direitos iguais.
Houve silêncio, onde Jaebum pareceu estar parado.
-Acha que estou mentindo para você?
-Não quero conversar hoje, Bumie. -disse na sua voz mais despreocupada possível. -Podemos nos ver amanhã de tarde, na minha casa.
-O que acontecendo? -perguntou apreensivo. Porém sua voz estava suave e até... culpada.
YoungJae desenhou na pedra com a ponta dos dedos, então olhou o lago com os olhos já voltando a marejar. Cogitou o contar oque suspeitava, mas não era justo expor isso por celular. Entretanto, também não queria vê-ló cara a cara.
-Tenho que organizar meus pensamentos. Não estou com raiva. -afirmou. -Só... quero conversar de verdade. Quero ser franco com você e não vai ser por celular que farei isso.
-Está suspeitando de mim?
-Pare com isso! -se irritou, por um minuto seus dedos quiseram atirar o celular no lago, mas ficou com pena dos peixes. -Só para, Jaebum. Eu quero pensar direito antes de conversar com você, por favor não interfira nisso.
-Tudo bem, Jae. Mark esta preocupado com você. -disse, mas sua voz já não parecia a mesma, estava... triste? -Ele também não sabia aonde você ia.
-Nem precisam saber, por enquanto, saibam que estou bem. -ele desligou o celular e o jogou na grama.
Se fosse de noite, talvez até aceitasse dar o braço a torcer, mas não era de noite, estava com a mente clara, faria o seu melhor para não errar. Quando chegara, o lago refletia o céu azul da tarde quente de Seul, oque era uma novidade, já que a mudança de estação havia trazido muita chuva. Agora o lago se encontrava vermelho. Parecia que estava recebendo a dor de YoungJae pela qual chorara a tarde inteira.
-É, está na hora de ir. -ele molhou dos dedos na água do lago uma última vez, assustando uns peixinhos que passavam ali. -Guarda mais um segredo? -ele sussurrou. Sabia que ninguém o responderia e essa era a graça de se confessar para um lago, a resposta sempre era a que você precisava, pois no final estava conversando consigo mesmo. -Jaebum é um filho da puta.***
Mais alguns minutos e BamBam explodiria. Pensava que por sua família o ter como uma pessoa querida e já saber da sua sexualidade fossem ser mais pacíficos em relação a isso. Estava completamente enganado. Talvez BamBam fosse uma exceção a essa opinião. Aceitar aquele jantar em família - e que familia enorme - provavelmente não havia sido algo muito racional de se fazer. Suportara sua tia gorda falando de cachorrinhos a tarde inteira, oque era até uma conversa agradável, infelizmente sua ideia recém formada de que talvez a senhora não fosse tão chata, foi afundada e esmagada pela torrente de palavras ridiculamente preconceituosas que ela havia exposto numa bandeja de prata na hora do jantar, sobre duas garotas que ela havia visto se beijando em frente à um bar. Já estava ficando sem graça pelos olhares preocupados e bem diretos da sua mãe, sempre que a palavra "homossexual" saia a boca da tia. Seu estômago dava voltas como se estivesse numa montanha russa quando sua salvação tocou. O celular vibrou no seu bolso, ele quis sorrir aliviado, mas se concentrou em atuar como se fosse algo muito importante e que não pudesse não atender. Tirou o celular do bolso deixando-o tocar alto, olhou o ecrã esperando que sua expressão parecesse ser de irritação e não de dor de barriga, então olhou para o resto da família que o olhava curioso.
-Desculpa, eu tenho que atender, é de um trabalho que vale nota. -ele se levantou e saiu apressado da sala de jantar, fechando a porta para que não o acompanhassem com os olhos.
BamBam não enrolou, nem hesitou em deixar o jantar, fez uma linha direta para o seu quarto. Na tela, era o nome de Mark que brilhava, ele atendeu enquanto subia a escada para o primeiro andar.
-Hyung, eu te amo. Você me salvou. -disse BamBam saltitando no corredor, parando no espelho para fazer uma dancinha da vitória meio esquisita, mas não importava, não tinha ninguém vendo.
-De nada...? -disse Mark desconfiado, então voltando a falar com desenvoltura. -BamBam! Eu e o Jackson estamos preocupados com o Jae, ele sumiu. Ele falou com você nessas últimas horas?
BamBam franziu a testa.
-Jaebum sumiu?
-Não esse Jae, o outro. -Mark disse impaciente, parecia a ponto a jogar o celular na parede. -Se o Jaebum fez alguma coisa, eu vou bater tanto nele, que ele vai parecer uma ameixa de tão roxo.
-Jaebum não fez nad... -a voz morreu na sua garganta. Talvez devesse prestar mais atenção quando seus amigos falavam. Ele bateu na própria cabeça e correu para o quarto. -Burro. Eu sou burro, Hyung.
-O que foi?
-YoungJae disse que queria falar comigo, fomos para o canto da sala conversar, ele me disse um monte de coisa, mas... eu estava pensando em outra coisa. -ele forçou a mente a lembrar de alguma coisa, dando tudo de si. -Meu Deus, e se ele quiser se matar e eu ignorei ele?! -gritou BamBam.
-Ei, calma. Ele não vai fazer isso. -Mark disse com a voz mais calma, talvez acreditasse mesmo nisso.
BamBam se sentou na cama, juntou as pernas quase mordendo os joelhos para se acalmar. Tentou refazer a cena na cabeça, como acontece nos filmes de detetive. Fechar os olhos e refazer seus passos em pensamento. Estava na cadeira da sala, conversando com Yugyeom no celular, foi quando YoungJae se aproximou e sussurrou que queria falar com ele. Devia ser mais uma briguinha de namorados, pensou BamBam. Eles se sentaram nas duas cadeiras da ponta e YoungJae começou a falar, BamBam havia pego só os tons e palavras chaves para pelo menos ter uma reação. Lembrava-se de algumas; Jinyoung, idiota, madrugada. Ele arregalou os olhos, podia estar deduzindo errado, mas era o seu melhor chute.
-Mark Hyung, acho que o Jinyoung apareceu na casa do YoungJae ontem! -exclamou, do outro lado Mark soltou um palavrão pelo susto.
-Jinyoung? Ele e o YoungJae nem são próximos. -disse Mark como se aquele ideia fosse loucura.
-O que tem Jinyoung? -perguntou outra voz.
Devia ser Jackson. Ele não era nem um pouco simpático com o assunto "Jinyoung".
-Nada, amor. BamBam acha que ele foi atrás do YoungJae ontem.
-YoungJae?
BamBam respirou fundo e bateu na sua cabeça de novo. Como podia ser tão burro? YoungJae estava realmente falando algo importante dessa vez. Ele se levantou, andou de um lado para o outro, até parar de frente para a escrivaninha onde, pendurado na parede acima, um quadro de imã segurava varias fotos suas de épocas diferentes. Quase uma linha do tempo. Era um quadro relativamente grande, retangular e longo, pintado de preto com alguns furinhos. Cada linha era uma época, decidira olhando aquelas fotos que o tempo o fizera bem.
-Hyung. -chamou na linha.
-Sim?
-Acho que eu infelizmente sei qual a ligação de Jinyoung com YoungJae. Além do nome Young. -ele tirou duas fotos do quadro e as enfiou na bolsa preta carteiro que estava usando para ir a qualquer lugar ultimamente. Havia desenvolvido um certo amor por aquela bolsa, além de ela combinar com tudo que ele usava. -Está em casa?
-Sim, mas é melhor irmos para a casa do Jackson. Eu já estava indo para lá.
-Ótimo, é mais perto. Nos vemos lá. E Hyung, eu esqueci meu brinco aí.
-Ok, eu levo. Até.
Mark desligou. BamBam olhou de novo para o quadro, e riu com desgosto.
-Não acho que deveria sentir pena. -disse apontando um dedo no rosto pequeno de um dos garotos nas fotos. -Mas até que fico sentido em pensar que você vai virar uma ameixa. Idiota.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Te vejo às 00:00| Hiatus | Markson ✶
FanfictionQuando felizmente a mensagem foi enviada no número errado.