21 - Raziel

45 3 3
                                    

Desde o início do mundo que o céu e o inferno estão em guerra. Anjos e demónios lutam em nome dos seus criadores, em busca ou da paz, ou do caos. Ninguém sabe que existimos, pois lutamos através das sombras, para que os humanos não tenham medo do que realmente existe.

Viver no paraíso nunca foi mau. Servi o Criador sem contestar os Seus ideais, porque são os meus ideais, as Suas crenças são as minhas crenças, o Seu amor é o meu amor.

Não me lembro da idade que tenho, mas sei que tenho milhares de anos. Fui criado para combater contra os demónios do pai do inferno, Lúcifer, que já foi um anjo e traiu o Criador por ansiar poder. Sempre fui o responsável pela proteção dos humanos na Terra, de destruir os condenados que apareciam no plano terrestre para magoar ou destruir quem não se podia defender sem ajuda.

O Pai do paraíso conseguiu criar mortais com capacidades especiais, que conseguissem combater contra demónios e, mesmo demónios nascidos com bom coração poderiam combater os adoradores do inferno. Assim nasceram os caçadores e as suas marcas.

Só quem nascesse com a marca de uma meia lua (na fase de quarto crescente) na omoplata, poderia combater contra demónios e proteger os humanos e mantendo-os longe desta dura realidade.

Com o passar dos séculos, fiquei cada vez mais fascinado pelos humanos, pela sua forma de encarar a religião e a luta entre o bem e o mal. Os humanos nascem sempre com a possibilidade de escolha, com a possibilidade de ter um amor, uma família, um trabalho e um lar. Comecei a desejar ter as mesmas possibilidades que aqueles meros mortais, comecei a sonhar com uma vida repleta de escolhas e amor. Falei com o Criador e contei-lhe tudo sobre os sonhos e a vontade de ter uma vida humana, com todos os defeitos e qualidades que só os mortais podem ter.

- Queres viver como eles?

- Quero, Pai. Não sei explicar como, mas sinto este sentimento por eles que me transcende. – não sabia como Ele ia reagir à resposta, mas estava sereno. Os Seus olhos estavam cobertos de ternura e compreensão e, apesar de não sorrir, estava feliz por mim e pela decisão que queria tomar.

- Sabes o que te poderá acontecer se te der permissão para viveres com os humanos? – questionou-me serenamente.

Olhava-me diretamente nos olhos. Os olhos cinzentos conseguiam ver dentro da minha alma, vendo claramente que a decisão não seria alterada, mesmo sabendo os riscos que iria correr.

- Sei. Deixarei de ser um anjo, passando a ser um anjo caído. As minhas asas deixarão de ser brancas como as nuvens do céu, deixarei de ter cabelos loiros, os olhos passarão a ser negros e deixarei de usar os poderes de anjo para ajudar os mortais. Sei que os poderes angelicais só me serão dispensados para que me consiga defender dos inimigos que se cruzem comigo. Senhor, estou bem ciente dos riscos que corro ao me tornar num anjo caído. – falo convicto do meu argumento.

Já vi muitos anjos decaírem por terem sido corrompidos, que passaram a ser estes seres que nem são anjos, nem são demónios. São seres que jamais poderão voltar a ser anjos, mas podem entrar para as tropas do inferno. Muitos desses anjos caídos foram capturados por Lúcifer ou então, por outros demónios que desejavam os poderes para próprio benefício.

- Querido Raziel, não poderás regressar ao paraíso. Serás perseguido pelos filhos de Lúcifer e poderás ser corrompido. Continuas a acreditar que vale a pena decaíres? Esse amor pelos mortais é assim tão grande, que estás disposto a colocar a tua vida e divindade em risco? – olhava para mim, analisando a postura e as expressões. – Quero saber se estás mesmo seguro da tua decisão, querido Raziel.

O Pai do mundo tinha razão, mas não ia mudar de ideias. Queria viver ao lado dos humanos, queria descobrir o que é viver com escolhas, perceber o que é o amor (não religioso, mas entre homens e mulheres) e família. Mesmo longe do paraíso, sabia que estaria perto do meu Criador.

O Caminho para a EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora