L - O Continente - Sempolhian

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Após mais algumas horas de festejos, encerraram as comemorações e foram se deitar. Semepolhian ficou horas observando o seu antigo quarto, enquanto Mizu dormia enrolado no próprio corpo no chão do cômodo e Emmethorion, deitado no dragão. Depois de descansarem, ela recolocou as roupas da fortaleza e se despediram rapidamente. A guardiã sentia que voltaria a vê-los muito em breve. Se ficassem muito tempo nos "boa viagem" e "tchau", sua família pensaria que pretendia tardar a retornar outra vez — o que não iria acontecer. Iria?

De qualquer forma, Semepolhian e Mizu nadaram rápido para conseguirem alcançar novamente o navio, que já navegava em águas mais rasas. Com dificuldade devido à velocidade em que estavam, o dragão auxiliou os dois guardiões a saltarem para dentro do navio, sendo arremessados de dentro do mar e caindo no primeiro andar da embarcação.

Emmethorion tossiu e cuspiu água, engasgado, até que Semepolhian interferisse, manipulando o líquido para que esse saísse de seus pulmões. Não demorou e diversas pessoas os cercavam, incluindo Zilena e Argristong que os encaravam com uma expressão que misturava repreensão e alívio.

— Conseguimos! — Gritou o guardião da floresta em meio a tosses que diminuia aos poucos de frequência. — Estão conosco!

— O que? — Questionou Zilena com as sobrancelhas unidas.

— Os imimoyas yamanzi. — Explicou Semepolhian se levantando e ajudando o guardião a fazer o mesmo. — Eles nos ajudarão. Não irão permitir que os nakoushiniders cheguem ao continente pela água.

Ela sentiu a mão de Emmethorion em seu ombro.

— É isso. — Falou ele. — Estamos praticamente quase totalmente seguros.

Parece até bom demais para ser verdade...

— Falando nisso. — Argristong fez um movimento com a cabeça indicando que olhassem para trás. — Vejam.

No horizonte, uma ilha com vários picos de montanhas crescia gradualmente à medida que se aproximavam. Assim que o destino apareceu aos olhos dos tripulantes, ninguém mais disse nada. Rumaram em silêncio até o Continente dos Dragões com corações acelerados e esperançosos.

Com a ilha já enorme à frente deles, diminuíram a velocidade para poderem chegar à praia pequena entre dois braços de pedra e mata. Havia um tablado de madeira por onde poderiam descer das embarcações e ir ao solo, mas não tinha ideia de há quanto tempo aquilo estava ali e se seria seguro. Portanto, iria pedir para que Emmethorion criasse ou outra plataforma ou reforçasse aquela e...

Uma movimentação no meio da mata interrompeu seus pensamentos. Era algum animal? Poderiam ter pessoas ali? Desde a guerra, fora anunciado o isolamento da ilha e que por isso ela seria completamente evacuada. O local foi por centenas de contagens o centro dos guardiões, iam para lá aprender sobre seus poderes, lutas, línguas, danças... Os grandes mestres tinham bases pelo Grande Continente para proporcionar ajuda e auxílio para os não mágicos, mas o centro de organização era naquela ilha... Durante muito tempo, toda a população de guardiões dependera daquele lugar, não iriam simplesmente se isolar e deixar o resto dos seres mágicos por conta própria há quilômetros de mar de distância... Iriam?

Repentinamente, dezenas de flechas surgiram do meio da folhagem apontadas para eles. Semepolhian engoliu em seco.

— Quem são vocês? — Inquiriu uma voz grave vinda da praia. — Apresentem-se imediatamente ou serão destruídos!

Hélinmir, Ignisian e Págon voavam um pouco distantes, mas Mizu estava submerso ao lado do navio. Você me ajuda? Perguntou ela.

— Sou Semepolhian Jandinokle, guardiã das águas. — Anunciou de mãos erguidas e pulou nas costas do companheiro para conseguir chegar seca até a areia. — Nós viemos do Grande Continente por causa dos nakoushiniders... Acreditávamos não haver ninguém aqui, por isso viemos... — Talvez seu tom tivesse saído um pouco afrontoso para alguém com tantas armas em sua direção. — Já que aqui estão, peço por favor que nos aceitem e deem abrigo... Somos seres mágicos. — Apontou para si e para Mizu, caso não tivessem reparado em sua pele azul ou no dragão de cinco metros de comprimento. — Não somos inimigos. — A menos que fossem nakoushiniders, deveria ter considerado a hipótese antes, mas sua mãe dissera que nunca permitiram isso, não é? — Por favor.

Uma mulher aparentemente velha se aproximou. Usava calça e botas de couro comuns e uma blusa semelhante a da fortaleza — um único tecido vestido por trás, cujas pontas passavam pela frente e eram presas nas costas, como em um casaco — porém não tinha nenhuma manga, diferente da que Semepolhian estava usando, que cobria um dos ombros. Além disso, a vestimenta era cinza escuro, sendo a mesma cor que todos ali na praia estavam vestindo, e possuía um capuz.

— Explique-se melhor. — Ordenou a mulher.

Como assim haviam pessoas aqui todo esse tempo...

— Os nakoushiniders estão conseguindo ultrapassar a magia... — Declarou a imimoya. — Vivíamos na Fortaleza de Vingüeval, mas resolvemos sair depois que os egüeses foram atacados...

— Fortaleza? Aquela da floresta? — A mulher a interrompeu.

— Imagino que sim... — Respondeu ela hesitante.

— Guardiã Semepolhian, vivemos nessa ilha em paz por vinte contagens... Espero que não esteja trazendo sua desgraça para cá.

Minha?

— Como disse, senhora, o Grande Continente não é mais seguro para nós... Se eu não estiver enganada, os nimases e imimoyas yenkwen também virão... Tínhamos a intenção de nos organizarmos para a guerra aqui. É uma emergência.

Repentinamente, a expressão dura da mais velha mudou. Suas sobrancelhas arquearam em súbita surpresa.

— Podem atracar. — Anunciou.

A pessoa, que não havia afrouxado por um segundo o arco apontado para o peito de Semepolhian, ao lado da mulher, abaixou a arma com olhar confuso.

— É... Tem certeza?

A mulher se virou para encarar o soldado, voltando-se em direção a mata.

— Meu caro, se for verdade o que ela diz e vamos mais que triplicar nosso número de aliados em tão pouco tempo, então existe a possibilidade de sairmos dessa ilha... E, se esse é o caso, eu já estou dentro. — Ela deu dois tapas fracos no ombro dele e andou rumo ao interior da folhagem.

Apesar de o soldado continuar com a sobrancelha unida sem confiança no ato, ele assobiou e fez sinal com a mão para baixarem as armas.

Um por vez os navios pararam ao lado da plataforma de madeira e as pessoas desceram tão hesitantes e confusas quanto Semepolhian. Atravessou a areia e entrou na mata no local indicado por um deles. Do outro lado da folhagem, havia uma pequena trilha que seguia vegetação adentro. A guardiã seguiu o homem que antes hesitava em recebê-los, vendo por entre as árvores duas montanhas, uma em cada lado, com construções em seu topo. Estavam em um vale e, aparentemente, desciam.

Mais à frente, Semepolhian viu que a mata acabava. Passaram o limite das folhas e o ambiente se abriu para que ela visse toda a configuração do local: eram cinco montanhas de tamanhos e formas um pouco diferentes. Caminhando ao centro delas, em um grande campo gramado, os recém chegados olhavam em todas as direções, admirados.

A imimoya ainda não acreditava. Um lado seu gostaria de brigar com todos aqueles seres mágicos uniformizados que não faziam ideia da realidade em que deixaram o Grande Continente. O outro queria cumprimentar a todos e agradecer por serem mais aliados e haverem tantos guardiões e dragões ali. Durante dez contagens, eram apenas Mizu e Hélinmir na fortaleza. Agora, via dezenas de dragões sobrevoando o local, indo de monte em monte.

Repentinamente, um som contínuo e estridente chegou aos seus ouvidos. Primeiro muito baixo e depois aumentando gradualmente, se aproximando.

— Imagino que sejam os nimases. — Falou a mulher velha se aproximando de Semepolhian. — Como você disse que viriam.

A imimoya comprimiu os lábios e fez um aceno afirmativo com a cabeça. No entanto, não tinha certeza do que aquele barulho se tratava.

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