XXXIII - Uma nova realidade, de novo - Sirius

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Sirius subiu de volta os degraus que levavam à pequena varanda e sentiu uma fisgada no joelho ao fazê-lo. Só quando olhou para a perna direita é que percebeu que a joelheira não se encontrava lá e que era muito provável ter perdido em algum momento daquela confusão.

Ótimo, agora que não conseguirei mesmo voltar andando...

Se por um lado aquilo lhe deixava chateado por perder a opção que o levava às pessoas que queria encontrar, por outro, estava aliviado de não ter mais que escolher. Sirius não optara por abandoná-los, não fora isso que acontecera, ele não tinha outro caminho a seguir... Tinha?

Com esforço, se sentou na amurada da varanda e questionou o velho novamente, mesmo sem tantas esperanças de respostas claras como antes:

— O que temos que fazer?

— O que sabem fazer?

O guardião suspirou abaixando o olhar.

— O que quer dizer?

— Há quanto tempo estão lidando com suas magias? O que aprenderam? Quão forte estão? O que sabem fazer?

Três meses, mas de alguma forma minha vida inteira. Respondeu o garoto mentalmente brincando com o companheiro. Muita coisa e quase nada. Eu não consigo andar e Balírion não consegue voar. Sabemos ter mais paciência do que deveríamos com péssimas comunicações.

E fazer cactos. Somos muito bons nisso.

Sirius segurou o sorriso enquanto respondia:

— Balírion nasceu há três meses e desde então estávamos treinando na fortaleza no extremo sul da floresta.

Skinhago não respondeu. Ficou encarando as árvores sem reação. Contudo, repentinamente, um cipó surgiu do nada e pegou o pé direito de Sirius e o puxou para cima o fazendo ao mesmo tempo se separar do solo e gritar de dor em seu joelho.

Imediatamente, o velho o colocou deitado na grama perguntando o que acontecera. Com tom que misturava agonia e repreensão, o garoto explicou o empecilho que tinha na perna.

— Então por que não evitou que meu cipó o pegasse?

— O que queria que eu fizesse? — Rebateu Sirius enquanto tentava se levantar com ajuda de Balírion.

— Certo... Então você é daqueles que pensam muito para agir. — O velho se levantou indo em direção ao caído. — Isso é muito útil para avaliar se está fazendo a melhor escolha, porém te prejudica em momentos que exigem respostas rápidas.

O imimoya gravenar retirou a luva que usava na mão esquerda, revelando um antebraço completamente de madeira e a estendeu para Sirius.

— "Superar nossos limites não significa eliminá-los, mas sim reconhecê-los e aprender a viver com eles." — Falou Skinhago. — É o que diria Groleo. — E quando o garoto estava novamente sentado na amurada finalizou: — Mas eu sempre achei que nós só superamos nossos limites quando conseguimos separar aquilo que realmente nos impede de alcançar o que desejamos daquilo que o mundo nos disse que era um limite.

E voltou a se sentar em sua cadeira confortável. Sirius ponderou as palavras do velho sem saber se não tinha entendido direito o que ele tentara dizer ou se não queria ver pelo ponto de vista que lhe era apresentado.

— Certo, garoto. Preciso lhe fazer mais algumas perguntas... — O guardião suspirou reconhecendo que aquilo significava que não teria mais respostas. — Depois disso, conversamos mais a sério.

Ele concordou com a cabeça e passou a responder sucintamente o questionamento que lhe era feito. O inquérito ia desde qual era sua árvore favorita (o que Sirius demorou para responder, já que nunca tinha pensado no assunto), até a que ponto iria pela Floresta de Vingüeval (o que novamente lhe custou bastante tempo até entender qual era o real significado daquela pergunta).

Porém, todas elas eram basicamente sobre a ligação do guardião com a mata. Apesar de perceber esse padrão, Sirius era incapaz de saber aonde aquilo iria dar.

— Ótimo. — Declarou Skinhago por fim. — Talvez você esteja qualificado.

— Qualificado para...?

O imimoya respondeu com um sorriso ladino e se levantou.

— Aonde vai? — Perguntou o garoto com o semblante franzido.

— Fazer umas coisas. Fique à vontade.

— Mas... — Não conseguiu completar a frase.

— Até mais. — Cortou-lhe Skinhago já bem afastado.

Sirius e Balírion foram deixados com seus pensamentos e suas respectivas culpas.

Não temos outra opção... Disse o garoto.

Estou me dizendo a mesma coisa. Rebateu o dragão em provocação olhando para o rapaz que uniu e separou os braços, em seguida um escudo comprido de madeira apareceu magicamente no ar e caiu na frente do guardião. Sirius o pegou e o colocou embaixo do braço para utilizá-lo como apoio e entrou dentro da casa.

O que tem aí? Perguntou Balírion tentando olhar pela janela da sala de entrada.

Nada demais, respondeu. E era verdade, o cômodo parecia bastante com a cabana em que vivera, só não havia as camas e outros objetos ocupavam as prateleiras, como frascos com substâncias pastosas e vegetais mais comuns da região da floresta.

Resolveu então passar dolorosamente para a biblioteca, onde pôde observar os títulos. Vários desses são iguais aos que tínhamos, comentou o guardião, mas tem uns que não sei nem em que língua é...

Tem algum novo em alguma língua que a gente conhece? Perguntou Balírion.

Sim, mas...

Pega um então. Quase não leu lá na fortaleza, Groleo te faria acabar três livros por dia para compensar!

O rapaz riu nasalado. É verdade, mas ele fazia isso para a gente poder praticar as outras línguas, na fortaleza eu podia treinar direto com falantes. Mesmo assim, pegou um livro em Língua Antiga com o título Guardiões e Seus Domínios (Nianderes Nan Criam Niandaus). Você lê para mim? Perguntou o companheiro e Sirius ouviu seu corpo encontrar o chão concluindo que ele se deitava ao lado da janela.

Ao invés de responder, se sentou na cadeira do cômodo e começou a leitura.

***

Várias páginas depois, o barulho de imimoya adentrando a casa na árvore interrompeu o livro. Logo em seguida, Skinhago apareceu na porta com diversas frutas e fungos carregados na blusa que era usada como cesta.

— Vamos jantar?

Sirius deu um sorriso reto e acenou com a cabeça enquanto o outro já voltava à cozinha. O rapaz fechou o livro — que talvez não fosse a melhor opção para um dia com já tantas outras informações para assimilar — e o colocou em cima da mesa.

Apesar de já sentir uma melhora na perna, andou cautelosamente e ainda carregando o apoio até o cômodo da frente com receio de que pudesse voltar a doer. Naquela noite, nem ele voltou a fazer perguntas, nem o mais velho voltou a soltar frases enigmáticas, apenas comeram e conversaram em paz... Sem parecer que haviam se conhecido há algumas horas ou que o mundo estava uma grande bagunça.

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