XIII - Quebra - Sirius

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Sirius, Anima e o garoto que encontraram na entrada da floresta acordaram com dor no pescoço e dentro de uma sala de pedra com uma porta de madeira e janelas fechadas com tábuas. O coração dele estava batendo rápido e ele não sabia desde quando começara a falar, só que não conseguia parar.

— Nós devíamos ter vindo sozinhos, andando, com cavalos, de qualquer jeito! Por que aceitamos ajuda daquele homem?

— Nós não aceitamos. — Disse Anima sem expressão.

— E então esquecemos o que era para dizer! Era a única ordem específica no papel! A única! E agora estamos presos! E nem sabemos por quem e muito menos por quê!

— Você pode parar de falar?! — Ela gritou demonstrando que finalmente havia acabado sua paciência.

— Sabe que eu não consigo! — Respondeu ele rápido e com as sobrancelhas unidas.

— Sabe que eu não consigo não mandar você parar de falar! — A garota suspirou. — Não deveríamos mesmo ter confiado naquele homem.

— Mas fizemos o que Groleo mandou!

— Claramente do jeito errado!

— Espere. — O outro presente no local falou pela primeira vez desde que tomaram consciência. — O que disseram?

Sirius e Anima não tiveram a oportunidade de questionar de volta sobre o que ele estava falando, já que foram interrompidos pela porta se abrindo. Uma mulher entrou e mandou que os acompanhassem.

Do lado de fora, viu que estavam no primeiro andar de uma torre em um dos cantos de um imenso retângulo verde. Além disso, percebeu que estavam numa fortaleza com uma grande muralha em volta. Aparentemente, a construção fora feita para parecer uma elevação do solo, com uma longa extensão gramada com diversas árvores; nas quatro pontas haviam torres semelhantes e entre elas construções menores. Por cima da amurada, era possível ver a floresta se estendendo indefinidamente no horizonte. No centro, uma enorme escada em espiral levava para o nível inferior e era nessa direção em que estavam andando cercados por cinco pessoas com espadas desembainhadas.

Desceram poucos degraus e Sirius pôde ver que o nível inferior se tratava de um grande salão com as mesmas dimensões que o anterior, mas com colunas de sustentação simetricamente espalhadas, inclusive cumprindo a função de paredes, que suportavam um teto composto de diversos arcos duplos. Já quanto ao chão, o garoto demorou a ver que era feito de diversos degraus maiores dispostos em semicírculo a partir de um trecho mais baixo, onde seis pessoas se sentavam à sua espera. Naquele instante, reconheceu que estavam em um local de apresentações e discussões segundo as histórias de Groleo, em que as pessoas se sentavam nos desníveis e o foco principal ficava no ponto mais baixo. Sirius se virou para tentar ver o que havia na continuação da descida da escada espiralada, porém nem quando continuaram descendo pelos degraus pequenos entre os grandes conseguiu enxergar alguma coisa.

Ao se aproximarem do centro do semicírculo, a mente de Sirius ficou em choque: em uma das cadeiras estava sentada uma mulher de pele azul escura e cabelo da mesma cor em tom mais claro, ou seja, uma imimoya yamanzi, um espírito da água, não tinha uma cauda, mas definitivamente se encaixava na descrição de Groleo; duas cadeiras para o lado, um homem de baixa estatura, olhos completamente pretos, com a cabeça raspada nas laterais e o cabelo preso em longas tranças, portanto, um nimás, o encarava; o mesmo fazia a mulher ao seu lado e na ponta da fila, que possuía orelhas pontudas e não apresentava um fio de pelo no rosto e nos braços, mas sim dois riscos verde musgo no lugar das sobrancelhas e que atravessavam suas bochechas, continuando pelos braços até o terceiro dedo de cada mão, o que fez Sirius concluir que se tratava de uma egües; todos seres das histórias de Groleo. Por mais que sempre quisera acreditar que elas eram reais, uma parte de si sempre o forçou a se lembrar de que eram apenas histórias. Porém, naquele único dia, a realidade não parava de lhe provar que ela era bem mais do que imaginava.

Após alguns segundos de silêncio, o homem ao centro, que trazia no braço um pequeno desenho de uma árvore — símbolo que nas histórias de Groleo significava que se tratava de um guardião da floresta — perguntou como se desse um soco na barriga de Sirius:

— Vocês são nascidos guardiões?

Aquilo estava além dos limites.

— Não. — Anima bradou violentamente.

— O que estão fazendo com os ovos? — O homem ignorou o ataque da garota.

— E o que são esses ovos? — Questionou Sirius com mais tranquilidade, porém muito mais confuso.

Contudo, assim que proferiu as palavras, lembrou-se das pedras que tinham ficado todo esse tempo escondidas embaixo da cabana e que, sem motivo algum, haviam trazido consigo. Não é possível...

Suas pernas começaram a tremer enquanto a mulher, que os tinha tirado do cômodo de pedra, colocava uma cesta com as tais pedras e mais uma, exatamente igual, porém azul.

— Deve haver um engano. — Falou Sirius sequer imaginando que aquilo faria alguma diferença. — Tenho certeza que aquele não é nosso. — Disse apontando com a cabeça o objeto azulado, já que suas mãos permaneciam amarradas. Quando mirou Anima, leu com dificuldade sua expressão, que misturava agradecimento e reprovação.

— Esse ovo é meu! — Declarou o garoto de cabelos curtos. — Se quiserem me entregar para os nakoushiniders, que seja, só vão logo!

Sirius ficou confuso com a menção do nome da organização perigosa das histórias de Groleo pela segunda vez naquele dia e, assim como Anima, ficou encarando o outro sem saber como reagir. No entanto, se a cada minuto mais uma coisa das fantasias de Groleo se tornava real, então...

— Quem é você? — Perguntou o nimás.

— Sou Hiems Landeren. Meus pais eram guardiões assim como eu. — Suas palavras saíam com raiva e dor. — Eu só queria encontrar um lugar para viver em paz. Se não podem me proporcionar isso então acabem logo com essa história.

As pessoas que os julgavam passaram alguns segundos olhando para o garoto de olhos azuis antes do homem ao centro declarar:

— Soltem-no.

— O-O que? — Balbuciou o rapaz.

— Todos nessa fortaleza são não humanos e você é bem vindo aqui.

A guarda desamarrou a corda que prendia suas mãos.

— Obrigado. — Agradeceu ele com a voz trêmula.

— Agora, vocês dois, se não provarem que não possuem ligações com os nakoushiniders, serão mortos.

Sirius não compreendeu a ameaça em sua totalidade, estava tonto e não sabia o que seus pensamentos lhe diziam... Pareciam até que não eram dele. Mas havia uma voz, tinha certeza, que o chamava com tranquilidade para se aproximar. Me aproximar? Encarou a pedra oval verde que já puxava seu corpo para frente, o forçando a se unir. Perdeu a consciência do que acontecia ao seu redor. Tudo que importava era chegar naquele ovo, naquele ser que o convidava ao encontro. O tocou com as mãos amarradas e sentiu sua superfície extremamente quente. A tontura ficou mais forte e percebeu que sua consciência o abandonava. Desmaiou.

Quando sua visão voltou a se estabilizar, estava no mesmo local, nada havia mudado, exceto pela pedra, que havia rachado, pelo desenho de árvore que aparecera em seu braço direito e pelo pequeno dragão verde sentado na sua frente. Instintivamente se afastou trêmulo.

Oi. Disse a voz que estava dentro da sua cabeça. Eu sei tudo que você sabe. O dragão o encarava e parecia... Sorrir?

— Muito bem. — O homem no centro se levantou. — Meu nome é Emmethorion e vocês são bem vindos aqui... Guardiões.

O mundo de Sirius desmoronava lentamente. Em parte com o dragão, em parte com as pessoas à sua volta, em parte com a expressão de medo no rosto de Anima.

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