6.As aparências enganam

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Após o fim da novela eu já era bem mais conhecida na escola. Eu fazia o papel de uma adolescente tentando ser modelo, então todas as meninas nessa mesma situação me procuraram. De repente eu era relevante. Já sabiam meu nome mesmo que eu não soubesse o deles, isso era um pouco estranho.

Nessa época comecei a ter autodeclarados melhores amigos, vocês já devem ter passado por isso. Aquele grupinho especial que faz você se sentir parte de algo. Tínhamos codinomes, eu era unicórnio, claro, mas meus amigos preferiam ser chamados de Pepe e Morango.

Morango era amorosa e super vaidosa, mas tinha compulsão alimentar e sem querer esse problema afetava muito sua vida social. Comia grandes quantidades de comida e depois ficava deprimida. As vezes entrava em dietas restritivas e emagrecia rápido, ganhando tudo de novo após crises nervosas. Eu gostava muito dela, mas não conseguia ajudá-la quando ficava triste. Já Pepe conseguia fazer ela se sentir melhor, mesmo quando ela ligava chorando e dizendo que  faria fotossíntese.

Não foi uma fase fácil para mim também, eu estava colecionando espinhas e isso me envergonhava. Não dá para aparecer na televisão digital com um vulcão pronto para explodir no rosto. Mesmo sendo uma atriz adolescente, estava difícil achar algum personagem que se encaixava no meu perfil. Ainda mais porque eu nunca tinha beijado e não queria fazer isso pela primeira vez em frente a uma câmera. Era insuportável pensar que meu primeiro beijo não seria de amor verdadeiro. Sim, isso mesmo, naquela época eu acreditava em príncipe encantado e amor puro.

Pepe era um garoto  super extrovertido, e seu jeito brincalhão e íntimo era tão aconchegante que até pensei que ele seria meu amigo gay. Mas conforme a gente foi se conhecendo melhor fomos percebendo que ele era safado com as outras meninas, vivia beijando na boca por aí e até jurou para mim e Morango que seu apelido Pepe era uma derivação de perereca, algo que certamente ele nunca tinha visto mas adorava afirmar que sim. 

Nessa época os outros garotos pareciam gostar das meninas mais velhas, enquanto por ironia tudo que é velho asqueroso ficava olhando para mim com aquela cara, aquela que você deve conhecer bem.

Foi uma época em que eu estava com o coração aberto para conhecer pessoas, mas também foi uma época de crise com a minha imagem. Eu comecei a recorrer à camadas de base, corretivo e pó para esconder meus defeitos no rosto e nunca mais parei. Até pouco tempo atrás eu precisava me maquiar até para comprar pão. 

Nessa época aprendi uma outra lição importante sobre as pessoas. Elas gostam de indivíduos bonitos e bem vestidos. Se você quiser amigos, gatinhos e trabalho, então você precisa de uma boa aparência, nem que seja artificial. O mundo é cruel com os feios. Está com dúvidas? Dê uma olhada por aí e depois me fala.

Com uma rapidez formidável eu passei a ser interessante para o sexo oposto, talvez foi os sutiãs de enchimento, ou talvez o batom vermelho, ou a meiguice que a gente forja no rosto e se torna natural usá-lo até quando não estamos sentindo bem. Não me julgue como superficial, no fundo todos somos igualmente bobos por dar tanta importância assim para a aparência. E as pessoas são bem mesquinhas, você já deve ter percebido.

Eu tentava melhorar a aparência  como aqueles animais na época do acasalamento, fazendo os rituais bobos para conseguir uma pegação. É universal. Naquela época eu já sabia com quem teria meu primeiro beijo. Eu tinha um rosto (lindo) em vista: Rafael. Essa é uma das provas da minha mesquinhez, eu queria o mais bonito, mesmo sem conhecer a pessoa de verdade. Você não?

Eu ainda não sabia, mas Morango também já tinha alguém em mente. Pensando bem, talvez foi culpa dele tudo que aconteceu com ela. Mas isso é para outro dia.


Nunca fale sobre UnicórniosOnde histórias criam vida. Descubra agora