23.Viagem para a Disney

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Me pergunto o que os cientistas estão fazendo que não estudaram o motivo que faz as coisas darem errado em cascata. Basta um momento de azar para tudo ao redor desandar como se obedecesse a uma lei matemática precisa.

No dia da minha viagem, muitas coisas me deram dicas de como seria aquela "viagem dos sonhos". Por exemplo, no aeroporto eu descobri que esqueci meu passaporte. Eu sei, muita gente deve dizer: que burra! Como você vai fazer uma viagem internacional e não leva o passaporte? Mas até parece que tais pessoas nunca tiveram um momento de distração. Uma vez ouvi um cara comentando sobre uma mulher que morreu atropelada porque não olhou para os dois lados da rua: " Muito idiota, merecia morrer. Quem não olha antes de atravessar?" Isso não é apenas falta de empatia e de senso (o que define alguém merecer a morte? Certamente nada tão banal assim). Sem falar que é uma ilusão achar que nunca erra e nunca faz besteira.

Um simples momento de tirar o passaporte da bolsa, dias antes da viagem, para mostrar minha foto para uma colega, e pronto, esqueci de colocá-lo de volta. Minha mãe ficou tão brava, quase perdemos o voo. A onda de azar continuou, no avião, duas mulheres atrás da minha poltrona conversavam animadamente... por 9 horas. As risadas estridente, os gritinhos agudos e o barulho de seus pacotes de salgadinho de queijo nauseante me deram muito mais do que uma forte dor de cabeça, me deu uma vontade louca de gritar: calem as bocas, suas maritacas dos infernos! Imaginem como seriam as manchetes: atriz conhecida por sua violência na escola tem uma crise de nervos em voo internacional.

Quando cheguei no hotel, dormi pensando que as dificuldades haviam cessado, até que acordei com febre e dor de cabeça. Isso mesmo, adoeci no primeiro dia em Orlando. Como sou uma pessoa determinada, decidi que manteria os planos e visitaria os parques como se eu não tivesse nenhuma dor no corpo, mas imagine meu desespero ao ver as filas enormes dos brinquedos e praticamente nenhum lugar para sentar? Crianças gritavam e pareciam martelos em minha cabeça. Confesso, sentei no chão do parque e chorei como se tivesse 6 anos de idade. Minha mãe estava lá, com orelhas da Minnie, me olhando com pena e vergonha.

Dois dias depois me sentia melhor para explorar aquele enorme mundo de fantasia. Realmente é um lugar incrível, mas nossas expectativas nos cegam e posso dizer que a diversão imaginada na minha cabeça era muito maior do que de fato foi. O lugar era quente, pleno verão americano, estava lotado, pessoas do mundo inteiro e de todos os estados americanos estavam lá. Tudo era caro, dólares se convertiam em reais o tempo todo na minha cabeça e eu só pensava: vou ter que vender bombom na escola quando eu voltar para o Brasil.

Não vou ficar aqui reclamando da viagem, porque posso dizer que me diverti também, depois que passou o azar inicial. Os últimos dias foram alegres, eu estava mais disposta a andar por aquele lugar gigante e realizei muitos desejos antigos, como nadar com os golfinhos. Mas devo dizer que a felicidade que senti ali não foi muito diferente da que eu senti no Brasil, em um parque de diversão pobre, daqueles que você não sabe se vai sair viva da barca, ou se o carrinho enferrujado da montanha russa não vai despencar no chão.

Todos nós temos limites de dor e de alegria, e não tem como ultrapassar esse limite químico. O máximo de alegria que você pode sentir, provavelmente você já sentiu por algum motivo, e não será a realização de sonhos que te fará sentir algo mais intenso. Há um limite para a satisfação, desapontado? Eu sei, nossas fantasias do amor, da felicidade e das realizações materiais são fantásticas, mas são apenas ilusões. Essa foi uma lição valiosa que percebi aos 16 anos.

Digo mais, se você não está feliz com quem você é, e com o que você tem, provavelmente não será uma viagem para a Disney, fama e dinheiro que te trará isso. A felicidade é intrínseca a nós. Desperdiçamos a chance de ficar feliz agora, colocando as expectativas de ser feliz no futuro e colocando nosso bem estar em objetivos como: um carro, uma viagem, um diploma, uma profissão ou seja lá o que colocamos no pedestal.

No último dia de viagem, em um insight (clareza súbita), percebi que eu alcancei meus sonhos de infância: eu era uma atriz reconhecida e estava na Disney, mas me sentia do mesmo jeito que antes de tudo isso. Aliás, me sentia mais miserável ainda, pois alcancei meus objetivos e não me tornei a pessoa maravilhosamente feliz e realizada que eu pensei que seria nessa situação. Voltei para o Brasil com boas lembranças da viagem, pois tive momentos divertidos, mas dentro de mim a velha angústia permanecia lá, só esperando eu voltar para casa para novamente me atormentar. Eu tinha uma decisão importante para fazer, uma que iria definir o rumo da minha vida.

Quando cheguei no aeroporto do Rio de Janeiro, uma nova surpresa, resquício do azar inicial da viagem: Nossas malas foram extraviadas. Nunca mais recuperei as coisas que amava e que levei pra viagem e as que comprei lá. Aprendi a lição que férias, viagem e aventuras em geral podem ser muito cansativas.

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