38.Coração rebelde

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No final do segundo ano, após o alívio de um ano de estudos finalizados, me lembro de ter percebido uma coisa: Eu não tinha uma vida amorosa. Engraçado que eu e Vinícius estávamos solteiros, nos víamos com frequência, mas nada acontecia entre nós. Eu pensava que provavelmente éramos só amigos, sem química (pelo menos por parte dele), mas ouvia os nossos amigos em comum brincarem com a gente: "Arrumem um quarto!". Eu não entendia.

- Milena, porque sempre que eu e Vinícius estamos conversando, vocês ficam nos jogando um para o outro?

- Ninguém mais aguenta ver vocês dois de sorrisinhos sem iniciativa. Ele gosta de você e você dele. Se peguem logo, porra!

- Como você sabe que ele gosta de mim? Ele falou alguma coisa?

- Ele não falou nada, mas eu conheço ele. Outros amigos já perceberam também que ele continua muito vaidoso, principalmente perto de você...

- Se ele gosta de mim, porque ele não fala nada? Porque sempre me trata como uma irmã? Até pergunta dos namoradinhos e fala para mim ter juízo. Quem é que está apaixonado e fala coisas assim?

- Vini é esquisito mesmo... Mas se depender dele, melhor esquecer! Você é quem precisa tomar a iniciativa.

- Eu? Eu não, está doida?

- Porquê não? Você quer, não quer? Então vá atrás!

- Mas porque ele não toma a iniciativa? Eu vi ele fazendo isso com Renata naquela festa que eles começaram. Ele chegou nela.

- Mas agora é diferente, você é menor de idade, ele nunca faria isso.

- Ele é só alguns anos mais velho.

- Mesmo assim você acabou de fazer 17 anos. Há tempos atrás ele criticou abertamente um de nossos amigos por estar namorando uma adolescente, é uma questão de princípios para ele.

- Entendo... então nesse caso mesmo que eu me declare, ele pode me rejeitar e nossa amizade ficar estranha. Eu não posso falar para ele. Eu preciso esquecer Vinícius.

- Acho que se ele tiver certeza que você gosta dele, talvez ele se declare também...

- Você nem tem certeza se ele gosta mesmo de mim, sem falar que eu não quero gostar dele dessa maneira. Amigos, somos amigos, porque eu não coloco isso de uma vez na minha cabeça?

Uma das coisas que mais me surpreendem na vida, é a impossibilidade de controlarmos quem a gente gosta e quem a gente não suporta. Você pode dar todos os motivos racionais para gostar de uma pessoa: fulano é educado, bonito, equilibrado... mas quando o corpo diz não, é não. Por outro lado você também pode explicar para si mesma e até compreender cada argumento para que se afaste de alguém, e mesmo assim continuar idolatrando a pessoa.

Apesar da nossa mente parecer estar no controle do ser, a parte que chamamos de consciência é nova evolutivamente. O cérebro reptiliano primitivo e o límbico (emocional) controlam a maior parte das nossas funções, são a base do cérebro. Enquanto o neocórtex racional é recente e envolve tudo isso, sendo ainda estagiário nessa indústria humana de milhões de anos de trabalho ativo.

Pensamos que estamos no controle racional de nós, mas ainda somos basicamente animais que gostam, convivem, copulam e atacam. Eu queria seguir em frente, mas meu corpo queria se jogar nesse precipício chamado amor. Eu queria estudar, fazer faculdade e me dedicar ao que eu acredito, enquanto meu corpo queria fazer bebês com Vinícius como se eu fosse apenas uma fêmea reprodutora cheia de hormônios. O amor romântico é apenas uma manipulação biológica resultante da evolução, mas era dela que eu queria me lambuzar.

Naquele dia, resolvi de última hora ir em um show com Milena, eu sabia que Vinícius estaria lá. Planejei tudo mentalmente, eu iria atrás dele e o beijaria. Se ele me rejeitasse, depois eu diria que eu estava bêbada, ou sei lá o quê. Me lembro que estava perto do Natal e que minha mente ficava fantasiando a gente trocando presentes como namorados ou passando o ano novo juntos na praia. Eu não conseguia parar de me imaginar com ele, e isso me enchia de mais coragem de continuar meu plano.

Passei muito tempo procurando Vinícius naquela festa. O escuro do lugar atrapalhava encontrá-lo, juntamente com Milena que só queria dançar e aproveitar o show ao invés de passar por entre uma multidão de bêbados. Quando finalmente o encontrei, por alguns segundos tomei impulso para abraçá-lo e beijá-lo, até que fui freada pela visão de Renata ao seu lado. Como que para marcar o território, ela o abraçou. Vinícius estava sem graça, o sorriso forçado e a palidez no rosto contrastava com a aparência realizada de Renata.

Eles não estavam namorando de novo, mas naquela noite estavam ficando. Não consegui esconder minha frustração e fui embora, deixando Milena com eles. Não posso mentir e dizer que não chorei, parece besteira hoje quando penso nisso, mas naquele dia senti como se tivesse sido traída por mim mesmo ao ir atrás de alguém que nem ao menos se importava o suficiente para tomar a iniciativa ou ficar longe da ex. Naquele dia prometi para mim mesma que esqueceria ele de uma vez por todas. Mas quem é que manda no coração? Ele é rebelde.

Nunca fale sobre UnicórniosOnde histórias criam vida. Descubra agora