9.A verdade

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Sempre tem um dia, um fatídico dia que você percebe algo que por muito tempo passou despercebido. A primeira vez que um desses dias chegou foi quando eu era criança. Lembro de quando percebi que papai noel não existia, mesmo já tendo ouvido alguns coleguinhas falar sobre isso. É uma daquelas coisas que você não percebe até que BUUMM, você nota. Era minha mãe, sempre foi ela a deixar o presente na árvore. Pode demorar, mas a percepção sempre vem, como aconteceu no meu caso com Rafael.

Finalmente o clarão mental me ocorreu ao perceber que Rafael não era a pessoa que eu pensava (ou queria) que ele fosse. Demorou um pouco. Eu já tinha 14 anos e nós já estávamos namorando oficialmente. Hoje eu percebo que aquilo foi a última cartada dele para conseguir tirar minha virgindade, ele quase conseguiu. Foi por pouco.

Eu era muito nova para entender as coisas, hoje eu penso naquela época e grito para mim mesma: Sua burra, como você não tinha visto isso? Imagino que Rafael aproveitava da minha pequena fama para alcançar mais prestígio entre os colegas. Eu já era uma atriz conhecida, tinha até alguns fãs, mas eu não tinha realmente me dado conta disso. A insegurança e a baixa auto estima continuavam comigo, mesmo com o reconhecimento que eu tanto busquei.

A gente sempre acha que quando alcançar o objetivo, um estralo se fará e você se sentirá plena. Não é assim, eu alcancei o que eu queria, mas ainda não sentia aquela felicidade toda que pensei que teria. Alcancei um bom nível na carreira, mas a velha eu cheia de defeitos e medos continuava lá, escondida em camadas de maquiagem e roupas de marcas. Consegui namorar Rafael mas as dúvidas sobre o relacionamento estavam mais fortes do que o primeiro whisky que experimentei nessa época.

Eu estava infeliz. Não tinha notado isso, assim como não tinha percebido a falha de caráter do meu primeiro namorado. Mas a verdade sempre vem para a superfície. Encontrei Rafael na mesma árvore que ficávamos com minha colega de sala. Sempre tem uma menina com tesão por gente comprometida, impressionante.

Eu fiquei mal, me senti culpada (ele mesmo disse que a culpa era minha por não ter "dado pra ele", a velha desculpa do "homem tem necessidade") mas depois eu fui percebendo tudo mais claramente. Eu não era um unicórnio, eu era um ALCE com chifres enormes. Eu já tinha ouvido várias pessoas, inclusive Pepe, falar sobre as mentiras de Rafael. Muitas garotas me mandavam mensagens dizendo ter ficado com ele, mas eu sempre imaginei que fossem invejosas querendo me atingir devido a minha profissão, ou apaixonadas querendo me roubar ele.

Eu fiquei deprimida, confesso, por semanas me senti um lixo. Eu estava no fundo do poço, mas mesmo assim cavei mais um pouquinho, nem tinha achado tão fundo assim. Faltei provas, faltei ensaios do trabalho, quase fui substituída em um papel, mas uma hora me reergui. Comecei a refletir sobre os motivos de amar uma pessoa que só me fazia mal

Percebi que eu não amava o Rafael, eu nem o conhecia para isso, eu amava a ideia que eu tinha dele. Todos os motivos que me deixavam apaixonada eram características que eu queria ter. Eu queria ser naturalmente bonita, como ele, queria ter a segurança e a confiança de fazer e falar o que eu quiser. Queria ser espontânea, livre e forte. Tudo que eu renegava em mim, eu havia projetado nele.

O antídoto, então, era me amar. A maneira de superar aquilo, era se apaixonar por mim, ver minhas qualidades, lutar pelas características que eu ainda não possuía com a mesma garra que eu usei para ignorar todas as falhas do meu ex. Eu estava de frente comigo mesma e precisava gostar do que via, precisava confiar cegamente em mim do mesmo jeito que havia confiado cegamente nele. Eu aprendi que o relacionamento consigo mesma nunca vai ser substituído por um relacionamento com outra pessoa.

Parecia simples e fácil, mas não é. Colocar esse aprendizado em prática foi e é a coisa mais difícil de fazer. Há muitos conflitos nisso, porque o mundo te diz: você precisa se amar como é, mas logo depois te fala: você não pode gostar de ser gorda.  você começa a pensar em cirurgias plásticas porque todo mundo que você admira já se "consertou" com isso. As pessoas falam: você precisa reconhecer seu valor, mas logo depois te dizem que você precisa ser humilde e ver seus defeitos. Há muitas frases automáticas sobre se colocar em primeiro lugar, mas há muito mais dedos na sua cara te chamando de egoísta. O mundo não é fácil.

Como vocês irão ver, minha busca por minha auto estima e valorização pegaram muitos atalhos infelizes. 

Aprender a lição teórica é fácil, mas demorou muitos anos para colocá-la em prática.

Nunca fale sobre UnicórniosOnde histórias criam vida. Descubra agora